Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1864

Allan Kardec

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Como e porque me tornei Espírita - por J. B. Borreau, de Niort (1)

O autor conta como foi levado a crer na existência dos Espíritos, em suas manifestações e em sua intervenção nas coisas deste mundo, e isto muito antes que se tratasse do Espiritismo. Ele foi conduzido por uma série de acontecimentos, quando de modo algum pensava nisso. Nas experiências que fazia com objetivo muito diverso, o mundo dos Espíritos se lhe apresentou, é verdade que pelo seu pior lado, mas, enfim, apresentou-se como parte ativa. O Sr. Borreau o encontrou sem querer, absolutamente como os que buscavam a pedra filosofal encontraram no fundo de suas retortas novos corpos que não procuravam, e que enriqueceram a Ciência, se não se enriqueceram eles próprios.

O relato detalhado e circunstanciado do Sr. Borreau é ao mesmo tempo interessante, porque verdadeiro, e muito instrutivo pelos ensinamentos que ressaltam para quem quer que, não parando na superfície das coisas, busque as deduções e as consequências que podem ser tiradas dos fatos.

O Sr. Borreau é um grande magnetizador. Por si mesmo tinha constatado a força do agente magnético e a admirável lucidez de certos sonâmbulos, que veem à distância com tanta precisão quanto com os olhos, e cuja visão não é detida pela obscuridade nem pelos corpos opacos. Para ele, esses fenômenos tinham sido a prova palpável da existência, no homem, de um princípio inteligente independente da matéria. Seu desejo ardente era propagar essa ciência nova, mas, desesperançado de vencer a incredulidade, teve a ideia de ferir as imaginações por um fato brilhante, ante o qual deveriam cair todas as denegações e as mais obstinadas dúvidas.

Considerando-se que a visão dos sonâmbulos tudo penetra, diz ele, pode penetrar as camadas terrestres. A descoberta ostensiva de algum tesouro enterrado seria um fato patente que não deixaria de fazer muito ruído e imporia silêncio aos trocistas, porque não se troça diante dos tesouros.

É a história de suas tentativas que o Sr. Borreau conta na sua brochura, tentativas penosas, perigosas, que muitas vezes lhe fizeram crer na vitória e que, após vinte anos, só levaram a decepções e mistificações. Um dos mais comovedores episódios é o da cena terrível que ocorreu quando, fazendo escavações num campo da Vendée, numa noite escura, ao pé de pedras druidas e em meio a sombrias giestas, no momento em que julgava tocar o objetivo, a sonâmbula, no paroxismo do êxtase e da excitação, caiu inanimada, como ferida por um raio, não mais dando sinal de vida, em rigidez cadavérica. Julgaram-na morta e tiveram que transportá-la, com muitas dificuldades, através de ravinas e rochas numa noite escura. Só depois de algumas léguas é que ela começou a voltar a si, sem consciência do que se havia passado. Esse choque não desencorajou o perseverante pesquisador, malgrado uma porção de outros incidentes não menos dramáticos que constantemente vieram atrapalhar, como que para adverti-lo da inutilidade e do perigo dessas tentativas.

Foi no curso de suas experiências que a existência dos Espíritos lhe foi revelada de maneira patente, quer pela sonâmbula, que os via e se entretinha com eles, quer por mais de cinquenta casos de escrita direta, cuja origem não podia ser duvidosa. Esses Espíritos tanto se apresentavam sob aspectos pavorosos e provocavam na sonâmbula crises terríveis que toda a força magnética do Sr. Borreau não conseguia acalmar, quanto sob a aparência de Espíritos benevolentes, que vinham encorajá-lo a continuar suas pesquisas, sempre prometendo sucesso, mas cujo termo sempre afastavam. Persistir em tais condições, devemos dizê-lo, era um jogo muito perigoso e incorrer em grave responsabilidade. Acrescentemos que os Espíritos prescreviam grande quantidade de novenas, das quais o Sr. Borreau acabou por se cansar, achando que ficava muito caro, o que o levou a esta reflexão: As preces ditas por ele próprio podiam ter toda a eficácia e nada custariam.

Hoje, que o Espiritismo veio esclarecer todas essas questões, cada um dos parágrafos da brochura poderiam dar lugar a um comentário instrutivo, mas dois números inteiros da Revista dificilmente bastariam. Talvez um dia empreendamos esse trabalho. Enquanto isto, qualquer pessoaversada no conhecimento dos princípios do Espiritismo poderá tirar suas próprias conclusões. Para tanto, remetemos ao Cap. XXVI do Livro dos médiuns e, notadamente aos §§ 294 e 295, bem como às reflexões que acompanham o artigo sobre a sociedade alemã dos pesquisadores de tesouros, publicado na Revista de outubro de 1864.

Diz o Sr. Borreau que o seu fim único era vencer a incredulidade no magnetismo. Entretanto, posto não tenha tido êxito, o magnetismo e o sonambulismo não deixaram de fazer o seu caminho. Malgrado a oposição sistemática de alguns cientistas, os fenômenos dessa ordem hoje passaram ao estado de fatos e aceitos pela massa e por grande número de médicos. As curas magnéticas são admitidas, mesmo no mundo oficial; alguns contestam, ainda por espírito de oposição, mas já não riem; tanto é certo que o que é verdade, mais cedo ou mais tarde deve triunfar.

O êxito das tentativas do Sr. Borreau não era, pois, necessário. Ele não atingiu o seu objetivo porque um fato isolado não pode fazer lei, e aos incrédulos não teriam faltado razões para atribuí-lo a qualquer outra causa que não a verdadeira. Dizemos mais: o êxito teria sido deplorável para o magnetismo.

Um princípio novo só é digno de crédito pela multiplicidade dos fatos. Ora, a possibilidade de uma pessoa descobrir um tesouro implicaria nessa possibilidade para todo mundo. Para melhor convencer-se, cada um teria desejado experimentar. Nada mais natural, pois teriam podido enriquecer prontamente e com muita facilidade! Os preguiçosos aí teriam achado fortuna e os ladrões também, pois, por que a lucidez teria parado ante o direito de propriedade? A cupidez, já no estado de flagelo, não precisava desse novo estimulante. A Providência não o quis. Mas como o magnetismo é uma lei da Natureza, ele triunfou pela força das coisas. Sua propagação é devida sobretudo à sua força curativa; por aí ela tem um fim humanitário e não egoísta, como o é necessariamente o interesse do lucro. Os inúmeros fatos de cura que se repetem em todos os pontos do globo, fizeram mais por seu crédito do que o teria feito a descoberta do maior tesouro, ou mesmo as mais curiosas experiências, porque todo mundo pode aproveitar os seus benefícios, ao passo que não há tesouros para todos, e a própria curiosidade se cansa. Jesus fez mais prosélitos curando doentes do que pelo milagre das bodas de Canaã. Assim é com o Espiritismo. Aqueles que ele traz a si pela consolação estão para os que recruta pela curiosidade na proporção de 100 por 1.

Essas tentativas, mesmo que infrutíferas do ponto de vista material, deixaram de ter proveito para o Sr. Borreau? Eis o que ele mesmo diz a respeito:

“Todas essas reflexões de tal modo haviam ensombreado o meu espírito, habitualmente tão alegre, que me tornei, no resto da viagem, triste, sonhador e injusto a ponto de lamentar ter dado, em meu pensamento, acolhida a essa ideia fixa que me tinha lançado em todas as tribulações desses caminhos desconhecidos. O que ganhei em tudo isto? perguntava-me amargurado. O conhecimento, é verdade, de um mundo que eu desconhecia, e a possibilidade de me pôr em contacto com os seres que o compõem. Mas, depois de tudo, esse mundo, assim como o nosso, deve ter seus bons e seus maus Espíritos. Quem me dá a certeza de que, malgrado o interesse que parece nos trazer e todas as suas belas e benevolentes palavras, aquele que parece ter-se imposto a nós não tenha senão boas intenções, e o poder, como ele diz, de conduzir-nos ao brilhante êxito que sonhei, e que talvez só me tenha inspirado para me seduzir e me induzir em erro?”

Então nada significa a constatação do mundo invisível, da coisa que interessa no mais alto grau ao futuro da Humanidade inteira, pois toda a Humanidade aí chega? Não é um resultado imenso a descoberta dessa chave de todos os problemas contra os quais até hoje se choca a Filosofia? Não é um favor imenso ter sido um dos primeiros chamados a esse conhecimento? Não é um grande serviço prestado à causa do Magnetismo, involuntariamente é verdade, ter fornecido às suas custas uma nova prova, entre outras mil, da impossibilidade de êxito em semelhantes casos, e de desviar os que fossem tentados a fazer semelhantes ensaios de alimentar esperanças quiméricas? Foi a esse resultado que chegaram as laboriosas pesquisas do Sr. Borreau. Se ele não encontrou tesouros para esta vida, encontrou outro mil vezes mais precioso para a outra, porque aquele que ele tivesse encontrado na Terra, ao partir ele teria sido forçado a deixá-lo aqui, ao passo que levará consigo um tesouro imperecível. Está ele satisfeito com isto? Nós o ignoramos.

Seja como for, não podemos deixar de estabelecer um paralelo entre este fato e o velho da fábula que disse aos seus três filhos que um tesouro estava oculto no campo que lhes deixava de herança. Então, dois deles se puseram a cavar o seu quinhão, mas não encontraram nenhum de tesouro. O terceiro, mais sábio, lavrou o seu com cuidado, tão bem que ao cabo de um ano ele lhe deu muito lucro. Daí a máxima: “Trabalhai, fazei esforços; o essencial é o que menos falta.” O Espírito fez como o velho, e, em nossa opinião, o Sr. Borreau encontrou o verdadeiro tesouro.

Nossa crítica em nada atinge a pessoa do Sr. Borreau, que de longa data conhecemos, e temos como digno de estima em todos os sentidos. Apenas quisemos mostrar a moralidade que ressalta de suas experiências, em proveito da ciência e de cada um em particular. Sob esse ponto de vista, sua brochura é eminentemente instrutiva, ao mesmo tempo que interessante, pelos notáveis fenômenos que constata. Eis por que a recomendamos aos nossos leitores.


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(1) Brochura in-8o Preço: 2 fr. – Niort: todas as livrarias; Paris: Didier & Cie, 35, quai des Augustins; Ledoyen, Palais-Royal.


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