Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1865

Allan Kardec

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Manifestações de Fives, perto de Lille (norte)

Lê-se no Indépendant de Douai, de 6 e 8 de julho de 1865, o relato seguinte, dos fatos que acabam de se passar em Fives:


I

“Há uns quinze dias, na Rua du Prieuré, em Fives, ocorrem fatos ainda não explicados e que causam uma profunda sensação em todo o bairro. A certos intervalos, no pátio de duas casas dessa rua, cai uma chuva de projéteis que quebram vidraças e por vezes atingem os moradores, sem que se possa descobrir nem o lugar de onde partem nem a pessoa que os atira. As coisas chegaram a tal ponto que um dos inquilinos teve que proteger suas janelas com tela, temeroso de ser atingido.

“A princípio os interessados observaram atentamente, depois recorreram à polícia, que exerceu a mais ativa vigilância durante vários dias. Isto não impediu que pedaços de tijolos, carvão de pedra, etc. caíssem abundantemente nos dois pátios. Um agente chegou a ser atingido nos rins, no momento em que procurava explicar a um de seus camaradas a parábola que as pedras descreviam antes de cair.

“O vidraceiro, substituindo os vidros quebrados na véspera por pedaços de tijolo, foi igualmente atingido nas costas. Logo se adiantou, jurando descobrir o autor desses atos censuráveis, mas não foi mais feliz que os outros.

“Há alguns dias constata-se uma notável diminuição no volume dos projéteis, mas são mais numerosos, de sorte que a movimentação continua. Entretanto, esperam em breve descobrir o que há de misterioso neste caso.



II

“Os fenômenos bizarros que se produzem na Rua du Prieuré, em Fives, desde quinta-feira, 14 de junho, e dos quais já tínhamos falado, desde sábado entraram numa nova fase, diz o jornal de onde tiramos o primeiro relato.

“Não se trata mais de projéteis atirados de fora com um barulho extraordinário às portas e janelas, e muito menos violentamente nas pessoas.

“Eis o que se passa agora numa das duas casas de que falamos, pois a outra ficou perfeitamente tranquila.

“No sábado, caíram no pátio oito cêntimos e cinco moedas de dois cêntimos belgas. A dona da casa, vendo ao mesmo tempo vários móveis se mexerem e cadeiras caindo, foi chamar pessoas da vizinhança. Levantaram as cadeiras; por várias vezes elas caíram de novo. Ao mesmo tempo foram vistos no jardim os tamancos deixados à entrada pela criada pularem em cadência, como se estivessem nos pés de alguém que dançasse.

“À noite, um calendário posto em cima de uma lareira saltou e turbilhonou no ar; sapatos, postos no chão, também saltavam e caíam emborcados.

“Vindo a noite, o Sr. M..., dono da casa, resolveu velar.

“Tão logo ficou só, ouviu um barulho: era um candeeiro que caía sobre a lareira; enquanto ele o ergueu, uma concha rolou por terra; ele se abaixou para apanhá-la e outro candeeiro lhe caiu nas costas. Essas manobras duraram uma parte da noite.

“Nesse ínterim, a empregada, que dorme no andar de cima, gritou por socorro. Encontraram-na tão apavorada que não duvidaram de sua sinceridade, quando afirmou que haviam batido nela. Fizeram-na descer e deitar-se no quarto ao lado; logo ouviram os seus lamentos e escutaram até mesmo as pancadas que ela recebia.

“Essa moça ficou doente e teve que voltar para a casa dos pais.

“No domingo de manhã e no dia seguinte ainda caíram moedas belgas no pátio.

“À tarde, a Sra. X... saiu com uma de suas amigas, depois de haver examinado toda a casa e sem encontrar coisa alguma fora de ordem.

“A porta foi fechada cuidadosamente. Ninguém podia entrar. Voltando, a Sra. X... encontrou desenhado sobre a cama um grande 8 com meias e tecidos que estavam trancados armário.

“À noite, com seu marido, seu sobrinho e um pensionista, que com ela constituem todo o pessoal da casa, ela fez uma vistoria em todas as peças. Na manhã seguinte, subindo ao quarto outrora ocupado pela empregada, encontrou sobre o leito um desenho esquisito, formado com barretes, e, ao pé da escada, dez degraus cobertos com paletós de seu marido, de seu sobrinho e do pensionista, estendidos e encimados por um chapéu.

“Na terça-feira de manhã ainda caiu no pátio um cêntimo belga. Eles tinham intenção de dá-lo aos pobres, com as moedas caídas dois dias anteriores, mas eis que o estojo onde elas estavam depositadas saltou de uma peça a outra e o dinheiro desapareceu, bem como a chave da escrivaninha.

“Varrendo a sala de jantar, de repente foram vistas duas facas se fincarem no soalho e outra no teto.

“De repente uma chave caiu no pátio. É a da porta da rua; depois veio a da escrivaninha; depois xales e lenços enrolados e em nós, que haviam desaparecido há algum tempo.

“À tarde viu-se no leito do Sr. M... uma roda formada com roupas, e no celeiro um desenho do mesmo gênero, formado com um capote velho e uma cesta.

“Todos estes fatos, bem como os de que falamos sábado, são atestados pelas pessoas da casa, cujo caráter está longe de ser levado ao exagero ou à ilusão. Eles parecem tanto mais singulares porque a vizinhança é perfeitamente bem habitada, e uma vigilância ativa não deixou de ser exercida há três semanas.

“Pode imaginar-se quanto as pessoas da casa sofrem com esse estado de coisas. Depois de ter começado por lacrar as janelas do lado do pátio, decidiram-se a abandonar as peças onde se produziam os fatos relatados, e agora estão, de certo modo, acampadas em duas ou três peças, esperando o fim de seus aborrecimentos.

“Pela crônica: TH. DENIS.”

Como se vê, esses fatos têm uma certa analogia com os de Poitiers, do Boulevard Chave, em Marselha, da Rua des Grès e dos de Noyers, em Paris, de Hoerdt, perto de Estrasburgo, e de uma porção de outras localidades. Por toda parte eles puseram em cheque a mais ativa vigilância e as investigações da polícia. Graças à sua multiplicação, eles acabarão por abrir os olhos. Se eles se produzissem num único lugar, seríamos levados a atribuí-los a uma causa local, mas quando ocorrem em pontos tão afastados e em tempos diferentes, seremos forçados a reconhecer que a causa está no mundo invisível, pois não a encontramos aqui. Em presença desses fatos tão multiplicados e que, por consequência, têm tão numerosas testemunhas, a negação já não é possível, e assim vemos as notícias se limitarem, geralmente, a meros relatos.

Os Espíritos anunciaram que manifestações de toda natureza iam produzir-se em todos os pontos. Com efeito, se examinarmos o que se passa há algum tempo, veremos que eles são fecundos em recursos para atestarem sua presença. Os incrédulos pedem fatos; os Espíritos lhos apresentam a todo instante, com um valor tanto maior pelo fato de não serem provocados e se produzirem sem o concurso da mediunidade ordinária e na maior parte do tempo entre pessoas alheias ao Espiritismo. Parece que os Espíritos lhes dizem: Acusais os médiuns de compadrio, de prestidigitação, de alucinações; nós vos damos fatos que não são suspeitos. Se depois disto não credes, é porque quereis fechar os olhos e os ouvidos.

As manifestações de Fives, além do mais, nos são atestadas pelo Sr. Mallet, de Douai, oficial superior e homem de Ciência, que se informou de sua realidade nos próprios locais e junto a pessoas interessadas. Podemos, pois, garantir a sua perfeita exatidão.

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