Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1862

Allan Kardec

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Dissertações espíritas

Estudos uranográficos (Sociedade espírita de Paris - Médium: Sr. Flammarion)

De certo modo, as três comunicações abaixo constituem a iniciação de um jovem médium. Vê-se o que prometem para o futuro. São a introdução a uma série de estudos, ditados pelo Espírito que se propõe desenvolver, sob o título de Estudos Uranográficos. Deixamos ao leitor a apreciação do fundo e da forma.


I

Há tempos vos foi anunciado, aqui e alhures, por vários Espíritos e diversos médiuns, que vos seriam feitas revelações sobre o sistema dos mundos. Fui chamado a contribuir para tal predição, na ordem de meu destino.

Antes de abrir o que poderia chamar os nossos estudos uranográficos, importa fixar bem o primeiro princípio, a fim de que o edifício, assentado em bases sólidas, tenha condições de durabilidade.

Esse primeiro princípio, essa primeira causa, é o grande e soberano poder que deu vida aos mundos e aos seres; este preâmbulo a toda meditação séria é Deus. Ante esse nome venerado tudo se inclina e a harpa etérea dos Céus faz vibrar as suas cordas de ouro.

Oh! vós, filhos da Terra, vós que há tanto tempo balbuciais esse grande nome sem compreendê-lo, quantas teorias aventurosas foram escritas desde o começo das idades nos anais da filosofia humana! Quantas interpretações erradas da consciência universal vieram à luz através de crenças caducas dos povos antigos! E, hoje ainda, que a era cristã em seu esplendor raiou sobre o mundo, que ideia se faz do primeiro dos seres, do ser por excelência, daquele que é?

Não vimos, nos últimos tempos, o panteísmo orgulhoso elevar-se soberbo até aquele que julgou certo qualificar de ser absorvente, de grande todo, de cujo seio tudo saiu e no qual tudo deve entrar e se confundir um dia, sem distinção de individualidades?

Não vimos o ateísmo grosseiro instalar vergonhosamente o ceticismo negativista e corruptor de todo progresso intelectual, a despeito do que tenham dito os sofistas seus defensores?

Seria interminável mencionar escrupulosamente todos os erros que foram aceitos a respeito do princípio primordial e eterno, e a reflexão é bastante para vos mostrar que o homem terreno errará sempre que pretender explicar esse problema insolúvel para muitos Espíritos desencarnados.

Cabe-nos dizer-vos implicitamente que deveis, ou melhor, que nós devemos inclinar-nos humildemente ante o Grande Ser. Cabe-nos dizer-vos, filhos, que se de nós depende nos elevarmos até a ideia do Ser Infinito, isso nos deve bastar e interditar a todos a orgulhosa pretensão de manter os olhos abertos diante do Sol, sem ficarmos logo enceguecidos pelo deslumbrante esplendor de Deus na sua eterna glória.

Guardai bem isto, porque é o prelúdio de nossos estudos: Crede em Deus, criador e organizador das esferas; amai a Deus, criador e protetor das almas, e poderemos penetrar juntos, humildemente e ao mesmo tempo estudiosamente, no santuário onde ele semeou os dons de seu infinito poder.

GALILEU


II

Estabelecido o primeiro ponto de nossa tese, a segunda questão que se apresenta é a do poder que conserva os seres e que se convencionou chamar Natureza. Depois do vocábulo que tudo resume, aquele que tudo representa. Mas o que é a Natureza?

Ouvi antes a definição do naturalista moderno. Ele diz que “A Natureza é o trono exterior do poder divino”. A tal definição juntarei esta, que resume todas as ideias dos observadores: “A Natureza é o poder efetivo do Criador”. Notemos a dupla explicação do mesmo vocábulo que, por uma maravilhosa combinação da linguagem, representa duas coisas à primeira vista tão diversas. Com efeito, a Natureza, no primeiro sentido, representa o efeito, cuja causa é expressa no segundo. Uma paisagem do horizonte sem fim; de árvores exuberantes sob as quais sentimos a vida subir com a seiva; de um prado esmaltado de flores perfumosas e coroado pelo sol, a isso se chama Natureza.

Agora, se se quiser designar a força que orienta os astros no espaço ou que faz germinar o grão de trigo? É ainda a Natureza.

Que a constatação dessas várias expressões seja para vós uma fonte de profundas reflexões; que ela sirva para ensinar-vos que se nos servimos do mesmo vocábulo para significar o efeito e a causa, é que realmente causa e efeito são uma só e a mesma coisa.

O astro atrai o astro, no espaço, segundo leis inerentes à constituição do Universo, e é atraído com força idêntica à que nele reside. Eis a causa e o efeito.

O raio solar perfuma a flor e a abelha aí vai buscar o mel. Aqui, o perfume ainda é efeito e causa.

Onde quer que na Terra ponhais os olhos, podereis constatar essa dupla natureza.

Concluamos daí que se a Natureza é, como a denominei, a força efetiva de Deus, ela é, ao mesmo tempo, o trono desse mesmo poder; ela é ao mesmo tempo ativa e passiva, efeito e causa, matéria e força imaterial; ela é a lei que cria, a lei que governa, a lei que embeleza; ela é o ser e a imagem; ela é a manifestação do poder criador, infinitamente bela, infinitamente admirável, infinitamente digna da vontade da qual é a mensageira.

GALILEU


III

Nosso terceiro estudo terá por tema o espaço.

Várias definições lhe têm sido dadas, sendo esta a principal: A extensão que separa dois corpos. Daí certos sofistas deduziram que onde não houver corpos não haverá espaço.

É sobre isso que se basearam os teólogos para estabelecer que o espaço é necessariamente finito, alegando que os corpos, em número finito, não poderiam formar uma série infinita, e que onde não houvesse corpos, também não haveria espaço.

Também definiram o espaço como o lugar onde se movem os mundos, o vazio onde age a matéria, etc. Deixemos nos tratados onde elas repousam, todas essas definições que nada definem.

O espaço é uma dessas palavras que representam uma ideia primitiva e axiomática, evidente por si mesma, e que as várias definições dadas nada mais fazem que obscurecer. Todos sabemos o que é o espaço, e desejo apenas estabelecer a sua infinitude, para que estudos ulteriores não encontrem barreiras opostas à investigação de nosso ponto de vista.

Ora, digo que o espaço é infinito porque é impossível opor-lhe qualquer limite e porque, a despeito da dificuldade de conceber o infinito, é-nos mais fácil viajar eternamente no espaço, em pensamento, do que parar num ponto qualquer, depois do qual não houvesse mais extensão a percorrer.

Para imaginar, tanto quanto possível em faculdades, a infinitude do espaço, suponhamos que, partindo da Terra, perdida em meio ao infinito, para um ponto qualquer do Universo, com a prodigiosa velocidade da faísca elétrica, que transpõe milhares de léguas por segundo, apenas tivéssemos deixado este globo e percorrido milhões de léguas, encontrar-nos-emos num ponto de onde a Terra apenas nos aparece como pálida estrela. Um instante após, seguindo sempre na mesma direção, chegamos a estrelas longínquas, que apenas distinguimos de nossa estação terrestre. De lá, não só a Terra estará inteiramente fora de nossas vistas, nas profundezas do céu, mas ainda o vosso próprio Sol, no seu esplendor, estará eclipsado pela distância que dele nos separa. Animados ainda pela mesma velocidade do relâmpago, transpomos sistemas de mundos à medida que avançamos no espaço, ilhas de luz etérea, vias estelíferas, paragens suntuosas onde Deus semeou mundos com a mesma profusão com que semeou plantas nos prados terrestres.

Ora, faz apenas alguns minutos que estamos viajando e já centenas de milhões de milhões de léguas nos separam da Terra; milhões de mundos passaram aos nossos olhos e, contudo, escutai:

Na realidade não avançamos um passo no Universo.

Se continuarmos durante anos, séculos, milhares de séculos, milhões de períodos cem vezes seculares, e incessantemente com a mesma velocidade do relâmpago, não teremos avançado nada! E isso de qualquer lado para o qual marchemos, para qualquer lado para o qual nos dirijamos, partindo deste grão invisível que deixamos, e que se chama Terra.

Eis o que é o espaço.

GALILEU

Férias da sociedade espírita de Paris


(Sociedade espírita de Paris, 1º de Agosto de 1862 - Médium: Sr. E. Vezy)

Ides, pois, separar-vos por algum tempo, mas os bons Espíritos estarão sempre com os que lhes pedirem auxílio e apoio.

Se cada um de vós deixa a mesa do mestre, não é apenas para exercício ou repouso, mas ainda para servir, onde quer que estiverdes, à grande causa humanitária, sob cuja bandeira viestes procurar abrigo.

Bem compreendeis que para o espírita fervoroso não há horas designadas para o estudo. Toda a sua vida não é mais que uma hora, e ainda demasiado curta para o trabalho a que se dedica: o desenvolvimento intelectual das raças humanas!...

Os galhos não se destacam do tronco porque deste se afastam. Ao contrário, dão lugar a novos impulsos que os unem e os solidarizam.

Aproveitai estas férias que vão espalhar-vos, para vos tornardes ainda mais fervorosos, a exemplo dos apóstolos do Cristo. Saí deste cenáculo, fortes e corajosos. Que vossa fé e as vossas boas obras reúnam em torno de vós milhares de crentes, que abençoarão a luz que espalhareis em vosso redor.

Coragem! Coragem! No dia do encontro, quando a auriflama do Espiritismo vos chamar ao combate e se desdobrar sobre vossas cabeças, que cada um tenha em volta de si os adeptos que houver formado sob sua bandeira, e os bons Espíritos dirão o seu número e o levarão a Deus!

Não durmais, pois, espíritas, à hora da sesta. Velai e orai! Eu já vos disse, e outras vozes vo-lo repetirão: Soa o relógio dos séculos e uma vibração retine. Ela chama os que se acham na noite, e infelizes serão os que não a quiserem escutar!

Ó espíritas! Ide, despertai os adormecidos e dizei-lhes que vão ser surpreendidos pelas vagas do mar que sobe em rugidos surdos e terríveis. Ide dizerlhes que escolham um lugar mais iluminado e mais sólido, porque eis que os astros declinam e a Natureza inteira se move, treme e se agita!...

Mas, após as trevas, eis a luz, e aqueles que não tiverem querido ver e ouvir imigrarão naquela hora para mundos inferiores, a fim de expiar e esperar longamente, mui longamente, os novos astros que devem elevar-se e esclarecê-los. E o tempo lhes parecerá a eternidade, pois não lobrigarão o término de suas penas, até o dia em que começarem a crer e compreender.

Espíritas, não mais vos chamarei crianças, mas homens, homens valentes e corajosos! Soldados da nova fé, combatei valentemente. Armai o braço com a lança da caridade e cobri o corpo com o escudo do amor. Entrai na liça! Alerta! Alerta! Calcai aos pés o erro e a mentira e estendei a mão aos que vos perguntarem: “Onde está a luz?”

Dizei-lhes que os que marcham guiados pela estrela do Espiritismo não são pusilânimes; que se não deslumbrem com miragens e não aceitem como leis senão aquilo que ordena a razão fria e sã; que a caridade é a sua divisa e que não se despojem por seus irmãos senão em nome da solidariedade universal e nunca para ganharem um paraíso, que sabem muito bem que não podem possuir senão quando tiverem expiado o bastante!... Que conheçam Deus e que, antes de tudo, saibam que ele é imutável em sua justiça, e que, consequentemente, não pode perdoar uma vida de faltas acumuladas, por um segundo de arrependimento, como não pode punir uma hora de sacrilégio, por uma eternidade de suplício!...

Sim, espíritas, contai os anos de arrependimento pelo número das estrelas, mas sabei que a idade de ouro virá para aquele que tiver sabido contá-las!...

Ide, pois, trabalhadores e soldados, e que cada um volte com a pedra ou o seixo que deve auxiliar na construção do novo edifício. Eu vos digo, em verdade, que desta vez não mais tereis que temer a confusão, mesmo querendo elevar ao Céu a torre que o coroará. Ao contrário, Deus estenderá a sua mão no vosso caminho, a fim de vos abrigar das tempestades.

Eis a segunda hora do dia. Eis os servidores que vêm de novo, da parte do Mestre, procurar trabalhadores. Vós que estais desocupados, vinde, e não espereis a última hora!...

SANTO AGOSTINHO

Aos centros espíritas que devemos visitar

O número de centros que nos propomos visitar, aliado à extensão do trajeto, não nos permite consagrar a cada um o tempo que desejaríamos. Julgamos útil aproveitar o melhor possível esse tempo para instrução. Com tal objetivo é nosso propósito responder, tanto quando nos for possível, a perguntas sobre as quais desejam esclarecimentos.

Temos notado que, ao fazer tal proposta durante as reuniões, geralmente não sabem o que perguntar e muitos se calam por timidez ou por dificuldade de formular o seu pensamento. A fim de evitar esse duplo inconveniente, pedimos que previamente preparem as perguntas por escrito e nos remetam a lista antes da reunião. Assim poderemos classificá-las metodicamente, eliminar repetições e responder de modo mais satisfatório para todos, refutando, ao mesmo tempo, as objeções à doutrina.


Ao Sr. E. K.

Ignoro completamente a inscrição de que me fala em sua carta de 2 de agosto, datada de Guingamp, por uma razão muito simples. É que eu jamais estive na Bretanha. E acrescento que jamais ouvi falar desse Manè, Thécel, Pares de outro gênero, como o chamais. Se ele pôde produzir sobre o senhor uma impressão benéfica, agradeça ao seu autor desconhecido. Em todo o caso, terei prazer em recebê-lo quando vier a Paris, onde, entretanto, só estarei de volta nos primeiros dias de outubro. Será um prazer dar-lhe verbalmente todas as explicações que desejar.

ALLAN KARDEC

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