Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1865

Allan Kardec

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Consequências da explicação precedente

Ei-nos no ponto principal a que nos propusemos. A explicação precedente parece resolver a questão com perfeita clareza. Tudo está nestas palavras: A lucidez não é permanente nesse homem. O copo é um meio de provocá-la, pela ação da radiação sobre o sistema nervoso, mas é necessário que o modo de radiação esteja em relação com o organismo. Daí a variedade dos objetos que podem produzir tal efeito, conforme os indivíduos predispostos a sofrê-los. Disto resulta:

1.º ─ Que para aqueles em que a visão psíquica é espontânea ou permanente, o emprego de agentes artificiais é inútil.

2.º ─ Que esses agentes são necessários quando a faculdade necessita ser superexcitada.

3.º ─ Que devendo esses agentes ser apropriados ao organismo, o que tem ação sobre uns não tem sobre outros.

Certas particularidades do nosso vidente encontram sua razão de ser nesta explicação.

A carta colocada debaixo do copo, em vez de facilitar o perturbava, porque modificava a natureza do reflexo que lhe é próprio.

Como dissemos, inicialmente ele fala de coisas indiferentes, enquanto olha o copo. É que a ação não é instantânea, e essa conversação preliminar sem objetivo aparente ocorre no tempo necessário à produção do efeito.

Assim como o estado lúcido só se desenvolve gradualmente, não cessa bruscamente. Eis a razão por que esse homem continua vendo ainda por alguns instantes depois de haver deixado de olhar em seu copo, o que nos tinha levado a supor que o objeto fosse útil. Mas como, de certo modo, o estado lúcido é artificial, de vez em quando ele recorre ao copo para mantê-lo.

Até certo ponto compreende-se o desenvolvimento da faculdade por um meio material. Mas, como pode apresentar-se no copo a imagem de uma pessoa distante? Só o Espiritismo pode resolver este problema, pela explicação que ele dá acerca da natureza da alma, de suas faculdades, das propriedades de seu envoltório perispiritual, de sua radiação, de seu poder de emancipação e de seu desprendimento do envoltório corporal. No estado de desprendimento, a alma desfruta de percepções que lhe são próprias, sem o concurso dos órgãos materiais; a visão é um atributo do ser espiritual; ele vê por si mesmo, sem o concurso dos olhos, como ouve sem o concurso do ouvido. Se os órgãos dos sentidos fossem indispensáveis às percepções da alma, seguir-se-ia que, após a morte, não mais tendo esses órgãos, ela seria surda e cega. O desprendimento completo que se dá depois da morte se produz parcialmente durante a vida, e é então que se manifesta o fenômeno da visão espiritual ou, por outras palavras, a dupla vista, ou segunda vista, ou visão psíquica, cujo poder se estende tão longe quanto a radiação da alma.

No caso de que se trata, a imagem não se forma na substância do copo; é a própria alma que, por sua radiação, percebe o objeto no lugar onde ele se encontra. Mas como, nesse homem, o copo é o agente provocador do estado lúcido, a imagem lhe aparece muito naturalmente na direção do copo. É absolutamente como aquele que tem necessidade de um óculo de alcance para ver ao longe o que não pode distinguir a olho nu. A imagem do objeto não está nos vidros da luneta, mas na direção dos vidros, que lhe permitem ver. Tirai-lhe o instrumento e ele nada mais verá. Continuando a comparação, diremos que, assim como aquele que tem uma boa vista não necessita de óculos, aquele que goza naturalmente da visão psíquica não precisa de meios artificiais para provocá-la.

Há alguns anos, um médico descobriu que pondo entre os olhos, na raiz do nariz, uma tampa de garrafa, uma bola de cristal ou de metal brilhante e fazendo convergirem os raios visuais para esse objeto durante algum tempo, a pessoa entrava numa espécie de estado cataléptico, durante o qual se manifestavam algumas das faculdades que se notam nalguns sonâmbulos, entre outras a insensibilidade e a visão à distância através dos corpos opacos, e que esse estado cessava pouco a pouco, após a retirada do objeto. Evidentemente era um efeito magnético, produzido por um corpo inerte. Que papel fisiológico representa o reflexo brilhante nesse fenômeno? É o que ignoramos. Mas foi constatado que se essa condição é necessária na maioria dos casos, mas não sempre, e que o mesmo efeito é produzido em certos indivíduos com o auxílio de objetos moles.

Esse fenômeno, ao qual se deu o nome de hipnotismo, fez furor nos corpos científicos. Experimentaram. Uns tiveram sucesso, outros não, como devia ser, pois as aptidões não eram as mesmas em todos os pacientes. Se a coisa fosse excepcional, certamente valeria a pena ser estudada. Mas, é lamentável dizer, a partir de quando perceberam que era uma porta secreta pela qual o magnetismo e o sonambulismo iriam penetrar, sob outra forma e outro nome, no santuário da ciência oficial, não mais se tratou de hipnotismo (Vide Revista Espírita de janeiro de 1860).

Entretanto, jamais a Natureza perde os seus direitos. Se as leis são desconhecidas por algum tempo, ela tantas vezes volta à carga e as apresenta sob formas tão variadas que, mais cedo ou mais tarde, obriga a abrir os olhos. O Espiritismo é prova disto. Podem negá-lo, denegri-lo, repeli-lo; ele bate em todas as portas de cem maneiras diversas e, bom grado malgrado, penetra naqueles mesmos que dele não querem ouvir falar.

Aproximando este fenômeno daquele que nos ocupa, e sobretudo das explicações dadas acima, observamos, nos efeitos e nas causas, uma analogia chocante. Daí pode-se tirar a conclusão de que os corpos vulgarmente chamados espelhos mágicos não passam de agentes hipnóticos, infinitamente variados em suas formas e efeitos, conforme a natureza e o grau das aptidões.

Sendo assim, não seria impossível que certas pessoas, dotadas espontânea e acidentalmente dessa faculdade, sofressem, malgrado seu, a influência magnética de objetos exteriores, sobre os quais maquinalmente fixam os olhos. Por que o reflexo da água, de um lago, de um pântano, de um riacho, mesmo de um astro, não produziria o mesmo efeito que um copo ou uma garrafa sobre certas organizações convenientemente predispostas? Mas isto é uma hipótese que necessita de confirmação pela experiência.

Além disto, esse fenômeno não é uma descoberta moderna. Ele é encontrado, mesmo em nossos dias, nos povos mais atrasados, tanto é certo que o que está em a Natureza tem o privilégio de ser de todos os tempos e lugares. A princípio aceitam-no como um fato; a explicação vem depois, com o progresso, e à medida que o homem avança no conhecimento das leis que regem o mundo.

Tais são as consequências que nos parecem decorrer logicamente dos fatos observados.

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