24. Nos seres
inferiores da criação, naqueles a quem ainda falta o senso moral, em os quais a
inteligência ainda não substituiu o instinto, a luta não pode ter por móvel
senão a satisfação de uma necessidade material. Ora, uma das mais imperiosas
dessas necessidades é a da alimentação. Eles, pois, lutam unicamente para
viver, isto é, para fazer ou defender uma presa, visto que nenhum móvel mais
elevado os poderia estimular. É nesse primeiro período que a alma se elabora e
ensaia para a vida.
No homem, há um período de transição em
que ele mal se distingue do bruto. Nas primeiras idades, domina o instinto
animal e a luta ainda tem por móvel a satisfação das necessidades materiais.
Mais tarde, contrabalançam-se o instinto animal e o sentimento moral; luta
então o homem, não mais para se alimentar, porém, para satisfazer à sua
ambição, ao seu orgulho, à necessidade, que experimenta, de dominar. Para isso,
ainda lhe é preciso destruir. Todavia, à medida que o senso moral prepondera,
desenvolve-se a sensibilidade, diminui a necessidade de destruir, acaba mesmo
por desaparecer, por se tornar odiosa. O homem ganha horror ao sangue.
Contudo, a luta é sempre necessária ao
desenvolvimento do Espírito, pois, mesmo chegando a esse ponto, que parece
culminante, ele ainda está longe de ser perfeito. Só à custa de muita atividade
adquire conhecimento, experiência e se despoja dos últimos vestígios da
animalidade.
Mas, nessa ocasião, a luta, de sangrenta e brutal que
era, se torna puramente intelectual. O homem luta contra as dificuldades, não
mais contra os seus semelhantes.
[1]
Sem prejulgar das conseqüências
que se possam tirar desse princípio, apenas quisemos demonstrar, mediante essa
explicação, que a destruição de uns seres vivos por outros em nada infirma a
sabedoria divina e que, nas leis da Natureza, tudo se encadeia. Esse
encadeamento forçosamente se quebra, desde que se abstraia do princípio
espiritual. Muitas questões permanecem insolúveis, por só se levar em conta a
matéria.
As doutrinas materialistas trazem em si o princípio de sua
própria destruição. Têm contra si não só o antagonismo em que se acham com as
aspirações da universalidade dos homens e suas conseqüências morais, que farão
sejam elas repelidas como dissolventes da sociedade, mas também a necessidade
que o homem experimenta de se inteirar de tudo o que resulta do progresso. O desenvolvimento
intelectual conduz o homem à pesquisa das causas. Ora, por pouco que ele
reflita, não tardará a reconhecer a impotência do materialismo para tudo
explicar. Como é possível que doutrinas que não satisfazem ao coração, nem à
razão, nem à inteligência, que deixam problemáticas as mais vitais questões,
venham a prevalecer? O progresso das idéias matará o materialismo, como matou o
fanatismo.