A Gênese, os milagres e as predições segundo o Espiritismo

Allan Kardec

Voltar ao Menu
Curas.

— Perda de sangue.

10. Então, uma mulher, que havia doze anos sofria de uma hemorragia; — que sofrera muito nas mãos dos médicos e que, tendo gasto todos os seus haveres, nenhum alívio conseguira — como ouvisse falar de Jesus, veio com a multidão atrás dele e lhe tocou as vestes, porquanto, dizia: Se eu conseguir ao menos lhe tocar nas vestes, ficarei curada. — No mesmo instante o fluxo sanguíneo lhe cessou e ela sentiu em seu corpo que estava curada daquela enfermidade.

Logo, Jesus, conhecendo em si mesmo a virtude que dele saíra, se voltou no meio da multidão e disse: Quem me tocou as vestes? — Seus discípulos lhe disseram: Vês que a multidão te aperta de todos os lados e perguntas quem te tocou? — Ele olhava em torno de si à procura daquela que o tocara.

A mulher, que sabia o que se passara em si, tomada de medo e pavor, veio lançar-se-lhe aos pés e lhe declarou toda a verdade. — Disse-lhe Jesus: Minha filha, tua fé te salvou; vai em paz e fica curada da tua enfermidade. (S. Marcos, 5:25–34.)

11. Estas palavras: conhecendo em si mesmo a virtude que dele saíra, são significativas. Exprimem o movimento fluídico que se operara de Jesus para a doente; ambos experimentaram a ação que acabara de produzir-se. É de notar-se que o efeito não foi provocado por nenhum ato da vontade de Jesus; não houve magnetização, nem imposição das mãos. Bastou a irradiação fluídica normal para realizar a cura.

Mas, por que essa irradiação se dirigiu para aquela mulher e não para outras pessoas, uma vez que Jesus não pensava nela e tinha a cercá-lo a multidão?

É bem simples a razão. Considerado como matéria terapêutica, o fluido tem que atingir a matéria orgânica, a fim de repará-la; pode então ser dirigido sobre o mal pela vontade do curador, ou atraído pelo desejo ardente, pela confiança, numa palavra: pela fé do doente. Com relação à corrente fluídica, o primeiro age como uma bomba calcante e o segundo como uma bomba aspirante. Algumas vezes, é necessária a simultaneidade das duas ações; doutras, basta uma só. O segundo caso foi o que ocorreu na circunstância de que tratamos.

Razão, pois, tinha Jesus para dizer: Tua fé te salvou. Compreende-se que a fé a que ele se referia não é uma virtude mística, qual a entendem muitas pessoas, mas uma verdadeira força atrativa, de sorte que aquele que não a possui opõe à corrente fluídica uma força repulsiva, ou, pelo menos, uma força de inércia, que paralisa a ação. Assim sendo, também, se compreende que, apresentando-se ao curador dois doentes da mesma enfermidade, possa um ser curado e outro não. É este um dos mais importantes princípios da mediunidade curadora e que explica certas anomalias aparentes, apontando-lhes uma causa muito natural. (Cap. XIV, n. os 31, 32 e 33.)

— Cego de Betsaida.

12. Tendo chegado a Betsaida, trouxeram-lhe um cego e lhe pediam que o tocasse. Tomando o cego pela mão, ele o levou para fora do burgo, passou-lhe saliva nos olhos e, havendo-lhe imposto as mãos, lhe perguntou se via alguma coisa. — O homem, olhando, disse: Vejo a andar homens que me parecem árvores. — Jesus lhe colocou de novo as mãos sobre os olhos e ele começou a ver melhor. Afinal, ficou tão perfeitamente curado, que via distintamente todas as coisas. — Ele o mandou para casa, dizendo-lhe: Vai para tua casa; se entrares no burgo, a ninguém digas o que se deu contigo. (S. Marcos, 8:22–26.)

13. Aqui, é evidente o efeito magnético; a cura não foi instantânea, porém gradual e consequente a uma ação prolongada e reiterada, se bem que mais rápida do que na magnetização ordinária. A primeira sensação que o homem teve foi exatamente a que experimentam os cegos ao recobrarem a vista. Por um efeito de óptica, os objetos lhes parecem de tamanho exagerado.

— Paralítico.

14. Tendo subido para uma barca, Jesus atravessou o lago e veio à sua cidade (Cafarnaum). — Como lhe apresentassem um paralítico deitado em seu leito, Jesus, notando-lhe a fé, disse ao paralítico: Meu filho, tem confiança; perdoados te são os teus pecados. Logo alguns escribas disseram entre si: Este homem blasfema. — Jesus, tendo percebido o que eles pensavam, perguntou-lhes: Por que alimentais maus pensamentos em vossos corações? — Pois, que é mais fácil dizer: — Teus pecados te são perdoados, ou dizer: Levanta-te e anda? Ora, para que saibais que o Filho do homem tem na Terra o poder de remitir os pecados: Levanta-te, disse então ao paralítico, toma o teu leito e vai para tua casa. O paralítico se levantou imediatamente e foi para sua casa. Vendo aquele milagre, o povo se encheu de temor e rendeu graças a Deus, por haver concedido tal poder aos homens. (S. Mateus, 9:1–8.)

15. Que significariam aquelas palavras: “Teus pecados te são remitidos” e em que podiam elas influir para a cura? O Espiritismo lhes dá a explicação, como a uma infinidade de outras palavras incompreendidas até hoje. Por meio da pluralidade das existências, ele ensina que os males e aflições da vida são muitas vezes expiações do passado, bem como que sofremos na vida presente as consequências das faltas que cometemos em existência anterior e, assim, até que tenhamos pago a dívida de nossas imperfeições, pois que as existências são solidárias umas com as outras. Se, portanto, a enfermidade daquele homem era uma expiação do mal que ele praticara, o dizer-lhe Jesus: “Teus pecados te são remitidos” equivalia a dizer-lhe: “Pagaste a tua dívida; a fé que agora possuis elidiu a causa da tua enfermidade; conseguintemente, mereces ficar livre dela.” Daí o haver dito aos escribas: “Tão fácil é dizer: Teus pecados te são perdoados, como: Levanta-te e anda.” Cessada a causa, o efeito tem que cessar. É precisamente o caso do encarcerado a quem se declara: “Teu crime está expiado e perdoado”, o que equivaleria a se lhe dizer: “Podes sair da prisão.”

— Os dez leprosos.

16. Um dia, indo ele para Jerusalém, passava pelos confins da Samaria e da Galileia — e, estando prestes a entrar numa aldeia, dez leprosos vieram ao seu encontro e, conservando-se afastados, clamaram em altas vozes: Jesus, Senhor nosso, tem piedade de nós. — Dando com eles, disse-lhes Jesus: Ide mostrar-vos aos sacerdotes. Quando iam a caminho, ficaram curados. — Um deles, vendo-se curado, voltou sobre seus passos, glorificando a Deus em altas vozes; — e foi lançar-se aos pés de Jesus, com o rosto em terra, a lhe render graças. Esse era samaritano. — Disse então Jesus: Não foram curados todos dez? Onde estão os outros nove? — Nenhum deles houve que voltasse e glorificasse a Deus, a não ser este estrangeiro? — E disse a esse: Levanta-te; vai; tua fé te salvou. (S. Lucas, 17:11–19.)

17. Os samaritanos eram cismáticos, mais ou menos como os protestantes com relação aos católicos, e os judeus os tinham em desprezo, como heréticos. Curando indistintamente os judeus e os samaritanos, dava Jesus, ao mesmo tempo, uma lição e um exemplo de tolerância; e fazendo ressaltar que só o samaritano voltara a glorificar a Deus, mostrava que havia nele maior soma de verdadeira fé e de reconhecimento, do que nos que se diziam ortodoxos. Acrescentando: “Tua fé te salvou”, fez ver que Deus considera o que há no âmago do coração e não a forma exterior da adoração. Entretanto, também os outros tinham sido curados. Fora mister que tal se verificasse, para que ele pudesse dar a lição que tinha em vista e tornar-lhes evidente a ingratidão. Quem sabe, porém, o que daí lhes haja resultado; quem sabe se eles terão se beneficiado da graça que lhes foi concedida? Dizendo ao samaritano: “Tua fé te salvou”, dá Jesus a entender que o mesmo não aconteceu aos outros.

— Mão seca.

18. Doutra vez entrou Jesus no templo e aí encontrou um homem que tinha seca uma das mãos. — E eles o observavam para ver se ele o curaria em dia de sábado, para terem um motivo de o acusar. — Então, disse ele ao homem que tinha a mão seca: Levanta-te e coloca-te ali no meio. — Depois, disse-lhes: É permitido em dia de sábado fazer o bem ou mal, salvar a vida ou tirá-la? Eles permaneceram em silêncio. — Ele, porém, encarando-os com indignação, tanto o afligia a dureza de seus corações, disse ao homem: Estende a tua mão. Ele a estendeu e ela se tornou sã. — Logo os fariseus saíram e se reuniram contra ele em conciliábulo com os herodianos, sobre o meio de o perderem. — Mas, Jesus se retirou com seus discípulos para o mar, acompanhando-o grande multidão de povo da Galileia e da Judéia — de Jerusalém, da Idumeia e de além Jordão; e os das cercanias de Tiro e de Sídon, tendo ouvido falar das coisas que ele fazia, vieram em grande número ao seu encontro. (S. Marcos, 3:1–8.)

— A mulher curvada.

19. Todos os dias de sábado Jesus ensinava numa sinagoga. — Um dia, viu ali uma mulher possuída de um Espírito que a punha doente, havia dezoito anos; era tão curvada, que não podia olhar para cima. — Vendo-a, Jesus a chamou e lhe disse: Mulher, estás livre da tua enfermidade. — Impôs-lhe ao mesmo tempo as mãos e ela, endireitando-se, rendeu graças a Deus. — Mas, o chefe da sinagoga, indignado por haver Jesus feito uma cura em dia de sábado, disse ao povo: Há seis dias destinados ao trabalho; vinde nesses dias para serdes curados e não nos dias de sábado. — O Senhor, tomando a palavra, disse-lhe: Hipócrita, qual de vós não solta da carga o seu boi ou seu jumento em dia de sábado e não o leva a beber? — Por que então não se deveria libertar, em dia de sábado, dos laços que a prendiam, esta filha de Abraão, que Satanás conservara atada durante dezoito anos? — A estas palavras, todos os seus adversários ficaram confusos e todo o povo encantado de vê-lo praticar tantas ações gloriosas. (S. Lucas, 13:10–17.)

20. Este fato prova que naquela época a maior parte das enfermidades era atribuída ao demônio e que todos confundiam, como ainda hoje, os possessos com os doentes, mas em sentido inverso, isto é, hoje, os que não acreditam nos maus Espíritos confundem as obsessões com as moléstias patológicas.

— O paralítico da piscina.

21. Depois disso, tendo chegado a festa dos judeus, Jesus foi a Jerusalém. — Ora, havia em Jerusalém a piscina das ovelhas, que se chama em hebreu Betesda, a qual tinha cinco galerias — onde, em grande número, se achavam deitados doentes, cegos, coxos e os que tinham ressecados os membros, todos à espera de que as águas fossem agitadas — Porque, o anjo do Senhor, em certa época, descia àquela piscina e lhe movimentava a água e aquele que fosse o primeiro a entrar nela, depois de ter sido movimentada a água, ficava curado, qualquer que fosse a sua doença. — Ora, estava lá um homem que se achava doente havia trinta e oito anos. — Jesus, tendo-o visto deitado e sabendo-o doente desde longo tempo, perguntou-lhe: Queres ficar curado? — O doente respondeu: Senhor, não tenho ninguém que me lance na piscina depois que a água for movimentada; e, durante o tempo que levo para chegar lá, outro desce antes de mim. — Disse-lhe Jesus: Levanta-te, toma o teu leito e vai-te. — No mesmo instante o homem se achou curado e, tomando de seu leito, pôs-se a andar. Ora, aquele dia era um sábado. — Disseram então os judeus ao que fora curado: Não te é permitido levares o teu leito. — Respondeu o homem: Aquele que me curou disse: Toma o teu leito e anda. — Perguntaram-lhe eles então: Quem foi esse que te disse: Toma o teu leito e anda? — Mas, nem mesmo o que fora curado sabia quem o curara, porquanto Jesus se retirara do meio da multidão que lá estava. — Depois, encontrando aquele homem no templo, Jesus lhe disse: Vês que foste curado; não tornes de futuro a pecar, para que te não aconteça coisa pior. — O homem foi ter com os judeus e lhes disse que fora Jesus quem o curara. — Era por isso que os judeus perseguiam a Jesus, porque ele fazia essas coisas em dia de sábado. — Então, Jesus lhes disse: Meu Pai não cessa de obrar até ao presente e eu também obro incessantemente. (S. João, 5:1–17.)

22. “Piscina” (da palavra latina piscis, peixe), entre os romanos, eram chamados os reservatórios ou viveiros onde se criavam peixes. Mais tarde, o termo se tornou extensivo aos tanques destinados a banhos em comum.

A piscina de Betesda, em Jerusalém, era uma cisterna, próxima ao Templo, alimentada por uma fonte natural, cuja água parece ter tido propriedades curativas. Era, sem dúvida, uma fonte intermitente que, em certas épocas, jorrava com força, agitando a água. Segundo a crença vulgar, esse era o momento mais propício às curas. Talvez que, na realidade, ao brotar da fonte a água, mais ativas fossem as suas propriedades, ou que a agitação que o jorro produzia na água fizesse vir à tona a vasa salutar para algumas moléstias. Tais efeitos são muito naturais e perfeitamente conhecidos hoje; mas, então, as ciências estavam pouco adiantadas e à maioria dos fenômenos incompreendidos se atribuíam uma causa sobrenatural. Os judeus, pois, tinham a agitação da água como devida à presença de um anjo e tanto mais fundadas lhes pareciam essas crenças, quanto viam que, naquelas ocasiões, mais curativa se mostrava a água.

Depois de haver curado aquele paralítico, disse-lhe Jesus: “Para o futuro não tornes a pecar, a fim de que não te aconteça coisa pior.” Por essas palavras, deu-lhe a entender que a sua doença era uma punição e que, se ele não se melhorasse, poderia vir a ser de novo punido e com mais rigor, doutrina essa inteiramente conforme à do Espiritismo.

23. Jesus como que fazia questão de operar suas curas em dia de sábado, para ter ensejo de protestar contra o rigorismo dos fariseus no tocante à guarda desse dia. Queria mostrar-lhes que a verdadeira piedade não consiste na observância das práticas exteriores e das formalidades; que a piedade está nos sentimentos do coração. Justificava-se, declarando: “Meu Pai não cessa de obrar até ao presente e eu também obro incessantemente.” Quer dizer: Deus não interrompe suas obras, nem sua ação sobre as coisas da natureza, em dia de sábado. Ele não deixa de fazer que se produza tudo quanto é necessário à vossa alimentação e à vossa saúde; eu lhe sigo o exemplo.

— Cego de nascença.

24. Ao passar, viu Jesus um homem que era cego desde que nascera; — e seus discípulos lhe fizeram esta pergunta: Mestre, foi pecado desse homem, ou dos que o puseram no mundo, que deu causa a que ele nascesse cego? — Jesus lhes respondeu: Não é por pecado dele, nem dos que o puseram no mundo; mas, para que nele se patenteiem as obras do poder de Deus. É preciso que eu faça as obras daquele que me enviou, enquanto é dia; vem depois a noite, na qual ninguém pode fazer obras. — Enquanto estou no mundo, sou a luz do mundo. — Tendo dito isso, cuspiu no chão e, havendo feito lama com a sua saliva, ungiu com essa lama os olhos do cego — e lhe disse: Vai lavar-te na piscina de Siloé, que significa Enviado. Ele foi, lavou-se e voltou vendo claro. — Seus vizinhos e os que o viam antes a pedir esmolas diziam: Não é este o que estava assentado e pedia esmola? Uns respondiam: É ele; outros diziam: Não, é um que se parece com ele. O homem, porém, lhes dizia: Sou eu mesmo. — Perguntaram-lhe então: Como se te abriram os olhos? — Ele respondeu: Aquele homem que se chama Jesus fez um pouco de lama e passou nos meus olhos, dizendo: Vai à piscina de Siloé e lava-te. Fui, lavei-me e vejo. — Disseram-lhe: Onde está ele? Respondeu o homem: Não sei. — Levaram então aos fariseus o homem que estivera cego. — Ora, fora num dia de sábado que Jesus fizera aquela lama e lhe abrira os olhos. — Também os fariseus o interrogaram para saber como recobrara a vista. Ele lhes disse: Ele me pôs lama nos olhos, eu me lavei e vejo. — Ao que alguns fariseus retrucaram: Esse homem não é enviado de Deus, pois que não guarda o sábado. Outros, porém, diziam: Como poderia um homem mau fazer prodígios tais? Havia, a propósito, dissensão entre eles. — Disseram de novo ao que fora cego: E tu, que dizes desse homem que te abriu os olhos? Ele respondeu: Digo que é um profeta. — Mas, os judeus não acreditaram que aquele homem houvesse estado cego e que houvesse recobrado a vista, enquanto não fizeram vir o pai e a mãe dele — e os interrogaram assim: É este o vosso filho, que dizeis ter nascido cego? Como é que ele agora vê? — O pai e a mãe responderam: Sabemos que esse é nosso filho e que nasceu cego; — não sabemos, porém, como agora vê e tampouco sabemos quem lhe abriu os olhos. Interrogai-o; ele já tem idade, que responda por si mesmo. — Seu pai e sua mãe falavam desse modo, porque temiam os judeus, visto que estes já haviam resolvido em comum que quem quer que reconhecesse a Jesus como sendo o Cristo seria expulso da sinagoga. — Foi o que obrigou o pai e a mãe do rapaz a responderem: Ele já tem idade; interrogai-o. — Chamaram pela segunda vez o homem que estivera cego e lhe disseram: Glorifica a Deus; sabemos que esse homem é um pecador. Ele lhes respondeu: Se é um pecador, não sei, tudo o que sei é que estava cego e agora vejo. — Tornaram a perguntar-lhe: Que te fez ele e como te abriu os olhos? — Respondeu o homem: Já vo-lo disse e bem o ouvistes; por que quereis ouvi-lo segunda vez? Será que queirais tornar-vos seus discípulos? — Ao que eles o carregaram de injúrias e lhe disseram: Sê tu seu discípulo; quanto a nós, somos discípulos de Moisés. — Sabemos que Deus falou a Moisés, ao passo que este não sabemos donde saiu. — O homem lhes respondeu: É de espantar que não saibais donde ele é e que ele me tenha aberto os olhos. — Ora, sabemos que Deus não exalça os pecadores; mas, àquele que o honre e faça a sua vontade, a esse Deus exalça. — Desde que o mundo existe, jamais se ouviu dizer que alguém tenha aberto os olhos a um cego de nascença. — Se esse homem não fosse um enviado de Deus, nada poderia fazer de tudo o que tem feito. — Disseram-lhe os fariseus: Tu és todo pecado, desde o ventre de tua mãe, e queres ensinar-nos a nós? E o expulsaram. (S. João, 9:1–34.)

25. Esta narrativa, tão simples e singela, traz em si evidente o cunho da veracidade. Nada aí há de fantasista, nem de maravilhoso. É uma cena da vida real apanhada em flagrante. A linguagem do cego é exatamente a desses homens simples, nos quais o bom-senso supre a falta de saber e que retrucam com bonomia aos argumentos de seus adversários, expendendo razões a que não faltam justeza, nem oportunidade. O tom dos fariseus, por outro lado, é o dos orgulhosos que nada admitem acima de suas inteligências e que se enchem de indignação à só ideia de que um homem do povo lhes possa fazer observações. Afora a cor local dos nomes, dir-se-ia ser do nosso tempo o fato.

Ser expulso da sinagoga equivalia a ser posto fora da Igreja. Era uma espécie de excomunhão. Os espíritas, cuja doutrina é a do Cristo de acordo com o progresso das luzes atuais, são tratados como os judeus que reconheciam em Jesus o Messias. Excomungando-os, a Igreja os põe fora de seu seio, como fizeram os escribas e os fariseus com os seguidores do Cristo. Assim, aí está um homem que é expulso porque não pode admitir seja um possesso do demônio aquele que o curara e porque rende graças a Deus pela sua cura!

Não é o que fazem com os espíritas? Obter dos Espíritos salutares conselhos, a reconciliação com Deus e com o bem, curas, tudo isso é obra do diabo e sobre os que isso conseguem lança-se anátema. Não se têm visto padres declararem, do alto do púlpito, que é melhor uma pessoa conservar-se incrédula do que recobrar a fé por meio do Espiritismo? Não há os que dizem a doentes que estes não deviam ter procurado curar-se com os espíritas que possuem esse dom, porque esse dom é satânico? Não há os que pregam que os necessitados não devem aceitar o pão que os espíritas distribuem, por ser do diabo esse pão? Que outra coisa diziam ou faziam os padres judeus e os fariseus? Aliás, fomos avisados de que tudo hoje tem que se passar como ao tempo do Cristo.

A pergunta dos discípulos — Foi algum pecado deste homem que deu causa a que ele nascesse cego? — revela que eles tinham a intuição de uma existência anterior, pois, do contrário, ela careceria de sentido, visto que um pecado somente pode ser causa de uma enfermidade de nascença, se cometido antes do nascimento, portanto, numa existência anterior. Se Jesus considerasse falsa semelhante ideia, ter-lhes-ia dito: “Como houvera este homem podido pecar antes de ter nascido?” Em vez disso, porém, diz que aquele homem estava cego, não por ter pecado, mas para que nele se patenteasse o poder de Deus, isto é, para que servisse de instrumento a uma manifestação do poder de Deus. Se não era uma expiação do passado, era uma provação apropriada ao progresso daquele Espírito, porquanto Deus, que é justo, não lhe imporia um sofrimento sem utilidade.

Quanto ao meio empregado para a sua cura, evidentemente aquela espécie de lama feita de saliva e terra nenhuma virtude podia encerrar, a não ser pela ação do fluido curativo de que fora impregnada. É assim que as mais insignificantes substâncias, como a água, por exemplo, podem adquirir qualidades poderosas e efetivas, sob a ação do fluido espiritual ou magnético, ao qual elas servem de veículo, ou, se quiserem, de reservatório.

— Numerosas curas operadas por Jesus.

26. Jesus ia por toda a Galileia, ensinando nas sinagogas, pregando o Evangelho do reino e curando todos os langores e todas as enfermidades no meio do povo. — Tendo-se a sua reputação espalhado por toda a Síria; traziam-lhe os que estavam doentes e afligidos por dores e males diversos, os possessos, os lunáticos, os paralíticos e ele a todos curava. — Acompanhava-o grande multidão de povo da Galileia, de Decápolis, de Jerusalém, da Judeia e de além Jordão. (S. Mateus, 4:23–25.)

27. De todos os fatos que dão testemunho do poder de Jesus, os mais numerosos são, não há contestar, as curas. Queria ele provar dessa forma que o verdadeiro poder é o daquele que faz o bem; que o seu objetivo era ser útil e não satisfazer à curiosidade dos indiferentes, por meio de coisas extraordinárias.

Aliviando os sofrimentos, prendia a si as criaturas pelo coração e fazia prosélitos mais numerosos e sinceros, do que se apenas os maravilhasse com espetáculos para os olhos. Daquele modo, fazia-se amado, ao passo que se se limitasse a produzir surpreendentes fatos materiais, conforme os fariseus reclamavam, a maioria das pessoas não teria visto nele senão um feiticeiro, ou um mágico hábil, que os desocupados iriam apreciar para se distraírem.

Assim, quando João Batista manda, por seus discípulos, perguntar-lhe se ele era o Cristo, a sua resposta não foi: “Eu o sou”, como qualquer impostor houvera podido dizer. Tampouco lhes fala de prodígios, nem de coisas maravilhosas; responde-lhes simplesmente: “Ide dizer a João: os cegos veem, os doentes são curados, os surdos ouvem, o Evangelho é anunciado aos pobres.” O mesmo era que dizer: “Reconhecei-me pelas minhas obras; julgai da árvore pelo fruto”, porquanto era esse o verdadeiro caráter da sua missão divina.

28. O Espiritismo, igualmente, pelo bem que faz é que prova a sua missão providencial. Ele cura os males físicos, mas cura, sobretudo, as doenças morais e são esses os maiores prodígios que lhe atestam a procedência. Seus mais sinceros adeptos não são os que se sentem tocados pela observação de fenômenos extraordinários, mas os que dele recebem a consolação para suas almas; os a quem liberta das torturas da dúvida; aqueles a quem levantou o ânimo na aflição, que hauriram forças na certeza, que lhes trouxe, acerca do futuro, no conhecimento do seu ser espiritual e de seus destinos. Esses os de fé inabalável, porque sentem e compreendem.

Os que no Espiritismo unicamente procuram efeitos materiais, não lhe podem compreender a força moral. Daí vem que os incrédulos, que apenas o conhecem através de fenômenos cuja causa primária não admitem, consideram os espíritas meros prestidigitadores e charlatães. Não será, pois, por meio de prodígios que o Espiritismo triunfará da incredulidade será pela multiplicação dos seus benefícios morais, porquanto, se é certo que os incrédulos não admitem os prodígios, não menos certo é que conhecem, como toda gente, o sofrimento e as aflições e ninguém recusa alívio e consolação.

TEXTOS RELACIONADOS

Mostrar itens relacionados

Utilizamos cookies para melhorar sua experiência. Saiba mais em nossa Política de Privacidade.