Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1861

Allan Kardec

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A lei de Moisés e a lei de Cristo (Comunicação pelo Sr. R..., de Mulhouse)

Um dos nossos assinantes de Mulhouse nos envia a carta e a comunicação que se segue:

...“Aproveito a ocasião que se apresenta de vos escrever, para mandar uma comunicação que recebi, como médium, de meu Espírito protetor, e que me parece interessante e instrutiva sob todos os pontos de vista. Se assim a julgardes, eu vos autorizo a fazer dela o uso que acrediteis mais útil. Eis qual foi o princípio. Inicialmente devo dizer-vos que professo o culto israelita e, naturalmente, sou levado às ideias religiosas em que fui educado. Eu tinha notado que, em todas as comunicações dos Espíritos, jamais se tratava senão da moral cristã, pregada pelo Cristo e que jamais se falava da lei de Moisés. Contudo, eu me dizia que os mandamentos de Deus, revelados por Moisés, me pareciam ser o fundamento da moral cristã; que o Cristo poderia ter ampliado o quadro e desenvolvido as consequências, mas que o germe estava na lei ditada no Sinai. Então me perguntei se a menção, tantas vezes repetida, da moral do Cristo, posto que a de Moisés não lhe fosse estranha, não provinha do fato de que a maior parte das comunicações recebidas emanavam de Espíritos que tinham pertencido à religião dominante, e se não seriam uma lembrança das ideias terrenas. Sob o império de tais pensamentos, evoquei meu Espírito protetor, que foi um dos meus parentes próximos e se chamava Mardoqueu R... Eis as perguntas que lhe dirigi e as respostas dadas por ele, etc....

1. ─ Em todas as comunicações feitas à Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, cita-se Jesus como sendo o que ensinou a mais bela moral. Que devo pensar disto?

─ Sim. O Cristo foi o iniciador da moral mais pura, a mais sublime: a moral evangélica cristã, que deve renovar o mundo, reaproximar os homens e os tornar a todos irmãos; a moral que deve fazer jorrar de todos os corações humanos a caridade, o amor ao próximo; que deve criar entre todos os homens uma solidariedade comum; a moral, enfim, que deve transfigurar a Terra e dela fazer uma morada para Espíritos superiores aos que hoje a habitam. É a lei do progresso, à qual está submetida a Natureza, que se realiza; e o Espiritismo é uma das forças vivas de que Deus se serve para propiciar o adiantamento da Humanidade na via do progresso moral. São chegados os tempos em que as ideias morais devem desenvolver-se para realizar o progresso que está nos desígnios de Deus. Elas devem seguir a mesma rota que as ideias de liberdade percorreram e das quais eram precursoras. Mas não se deve crer que esse desenvolvimento se faça sem lutas. Não. Para chegar à maturidade, elas necessitam de abalos e discussões, a fim de que atraiam a atenção das massas; mas, uma vez fixada a atenção, a beleza e a santidade da moral sensibilizarão os Espíritos, e eles aplicar-se-ão a uma ciência que lhes dá a chave da vida futura e lhes abre as portas da felicidade eterna.

Deus é único, e Moisés é o Espírito que Deus enviou em missão para se fazer conhecer, não só aos hebreus, mas também aos povos pagãos. O povo hebreu foi o instrumento de que Deus se serviu para fazer sua revelação, através de Moisés e dos profetas, e as vicissitudes desse povo tão admirável eram feitas para ferir os olhos e fazer cair o véu que aos homens ocultava a Divindade.

2. ─ Em que, pois, a moral de Moisés é inferior à do Cristo?

─ A moral de Moisés era apropriada ao estado de adiantamento em que se achavam os povos que ela estava destinada a regenerar. Esses povos, meio selvagens quanto ao aperfeiçoamento de sua alma, não teriam compreendido que se pudesse adorar Deus de outra maneira senão pelos holocaustos, nem que era preciso perdoar a um inimigo. Sua inteligência, notável do ponto de vista da matéria, e mesmo das artes e das ciências, estava muito atrasada em moralidade e não se teria convertido sob o império de uma religião inteiramente espiritual. Era-lhes necessária uma representação semimaterial, tal qual oferecia, então, a religião hebraica. É assim que os holocaustos lhes falavam aos sentidos, enquanto a ideia de Deus lhes falava ao espírito.

Os mandamentos de Deus recebidos por Moisés trazem o germe da moral cristã mais ampla, mas os comentários da Bíblia estreitavam o sentido, porque, se fosse posta em prática em toda a sua pureza, não teria sido então compreendida. Mas os dez mandamentos de Deus nem por isso deixaram de estabelecer-se como o brilhante frontispício, como o farol que deveria iluminar a Humanidade na rota que ela tinha a percorrer. Foi Moisés que abriu o caminho; Jesus continuou a obra; o Espiritismo a acabará.

3. ─ O sábado é um dia consagrado?

─ Sim. O sábado é um dia consagrado ao repouso, à prece. É o emblema da felicidade eterna, a que aspiram todos os Espíritos e à qual eles só chegarão depois de se haverem aperfeiçoado pelo trabalho e se despojado, pelas encarnações, de todas as impurezas do coração humano.

4. ─ Que motivo, então, levou cada seita a consagrar um dia diferente?

─ Cada seita, é verdade, consagrou um dia diferente, mas isto não é um motivo de inconformação. Deus aceita as preces e as formas de cada religião, desde que os atos correspondam aos ensinos. Seja qual for a forma sob a qual Deus é invocado, a prece lhe é agradável, se a intenção for pura.

5. ─ Pode-se esperar o estabelecimento de uma religião universal?

─ Não. Não em nosso planeta, ou, pelo menos, não antes que ele tenha feito progressos que muitos milhares de gerações nem mesmo verão.

MARDOQUEU R...

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