Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1864

Allan Kardec

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(Pelo Sr. Armand Durant)

O Espiritismo conquistou seu status entre as crenças. Se para alguns escritores ele ainda é motivo de pilhérias, nota-se que entre aqueles que outrora o punham a ridículo, a pilhéria baixou de tom, ante o ascendente da opinião das massas, e se limita a citar, sem comentários, ou com restrições mais cuidadas, os fatos que a ele se referem.

Outros, sem nele crer positivamente, e mesmo sem conhecê-lo a fundo, julgam a ideia muito importante para nela buscar assunto para trabalhos de imaginação, ou de fantasia. Tal é, ao que nos parece, o caso da obra de que falamos. É um simples romance, baseado na crença espírita apresentada do ponto de vista sério, mas do qual podemos reprochar alguns erros, sem dúvida provindos de um estudo incompleto da matéria.

O autor, que quer bordar uma ação de fantasia sobre um assunto histórico, deve, antes de tudo, bem penetrar-se da verdade do fato, a fim de não margear a história.

Assim deverão fazer todos os escritores que quiserem tirar proveito da ideia espírita, seja para não serem acusados de ignorância daquilo de que falam, seja para conquistar a simpatia dos adeptos, hoje bastante numerosos para pesar na balança da opinião e concorrer para o sucesso de toda obra que, direta ou indiretamente, diz respeito às suas crenças.

Feita esta reserva do ponto de vista da perfeita ortodoxia, a obra em apreço não será menos lida com muito interesse pelos partidários, como pelos adversários do Espiritismo e agradecemos ao autor a graciosa homenagem que nos fez de seu livro, chamado a popularizar a ideia nova. Citaremos as passagens seguintes, que tratam mais especialmente da doutrina.

“À época em que o Sr. Boursonne (um dos principais personagens do romance) tinha perdido a esposa, uma doutrina mística se espalhava surdamente, lentamente e se propagava na sombra. Ela contava ainda com poucos adeptos, mas não aspirava nada menos que substituir os vários cultos cristãos. Falta-lhe ainda, para tornar-se uma religião poderosa, apenas a perseguição.

“Essa religião é a do Espiritismo, tão eloquentemente exposta pelo Sr. Allan Kardec, em sua notável obra O Livro dos Espíritos. Um de seus mais convictos adeptos era o Conde de Boursonne.

“Não acrescentarei senão algumas palavras sobre essa doutrina, para dar aos incrédulos a compreender que o poder misterioso do conde era inteiramente natural.

“Os espíritas reconhecem Deus e a imortalidade da alma. Eles creem que a Terra é para eles um lugar de transição e de provação. Segundo eles, a alma é inicialmente colocada por Deus num planeta de ordem inferior. Aí ela fica encerrada num corpo mais ou menos grosseiro, até ficar bastante depurada para emigrar para um mundo superior. É assim que, após longas migrações e numerosas provações, as almas chegam, enfim, à perfeição, sendo então admitidas no seio de Deus. Depende, pois, do homem, abreviar suas peregrinações e chegar mais rapidamente junto ao Senhor, melhorando-se rapidamente.

“É uma crença do Espiritismo, crença tocante, que as almas mais perfeitas podem comunicar-se com os Espíritos. Assim, segundo os espíritas, podemos conversar com os seres amados que perdemos, se nossa alma for bastante aperfeiçoada para ouvi-los e saber fazer-se escutar.

“São, pois, as almas melhoradas, os homens mais perfeitos entre nós, que podem servir de intermediários entre o vulgo e os Espíritos. Esses agentes, tão ridicularizados pelo cepticismo quanto admirados e invejados pelos crentes, chamam-se, em linguagem espírita, médiuns.

“Explicado isto, uma vez por todas, notemos de passagem que a Doutrina Espírita, a esta hora, conta seus adeptos por milhares, sobretudo nas grandes cidades, e que o Conde de Boursonne era um dos médiuns mais potentes.”

Aqui há um primeiro erro grave. Se fosse preciso ser perfeito para comunicarse com os Espíritos, muito poucos teriam esse privilégio. Os Espíritos se manifestam mesmo àqueles que muito deixam a desejar, precisamente para motivá-los, por seus conselhos, a melhorar-se, conforme estas palavras do Cristo: “Não são os que têm saúde que precisam do médico.” A mediunidade é uma faculdade que depende do organismo mais ou menos desenvolvido, conforme os indivíduos, mas que pode ser dada ao mais indigno como ao mais digno, sujeitando-se, o primeiro, a ser punido, se dela não tira proveito ou se dela abusa.

A superioridade moral do médium lhe assegura a simpatia dos bons Espíritos e o torna apto a receber instruções de ordem mais elevada, mas a facilidade de comunicar-se com os seres do mundo invisível, quer diretamente, quer por terceiros, é dada a cada um, visando o seu avanço. Eis o que o autor teria sabido se tivesse feito um estudo mais profundo da ciência espírita.

“A Ciência moderna provou que tudo se encadeia. Assim, na ordem material, entre o infusório, último dos animais, e o homem, que é a sua expressão mais elevada, existe uma cadeia de criaturas, melhoradas sucessivamente, como o provam superabundantemente as descobertas dos geólogos. Ora, os espíritas se perguntaram por que não existiria a mesma harmonia no mundo espiritual; se perguntaram por que uma lacuna entre Deus e o homem, como o Sr. Le Verrier se perguntou como podia faltar um planeta em dado lugar no céu, em vista das leis harmoniosas que regem o nosso mundo incompreensível e ainda desconhecido.

“Guiado pelo mesmo raciocínio que conduziu o eminente diretor do Observatório de Paris à sua maravilhosa dedução, foi que os espíritas chegaram a reconhecer seres imateriais entre o homem e Deus, antes de haverem tido a prova palpável, adquirida mais tarde.”

Há aqui, igualmente, outro erro capital. O Espiritismo foi conduzido às suas teorias pela observação dos fatos e não por um sistema preconcebido. O raciocínio de que fala o autor era racional, sem dúvida, mas não foi assim que as coisas se passaram.

Os espíritas concluíram pela existência dos Espíritos porque os Espíritos se manifestaram espontaneamente. Eles indicaram a lei que rege as relações entre o mundo visível e o mundo invisível, porque observaram essas relações. Eles admitiram a hierarquia progressiva dos Espíritos porque os Espíritos se lhes mostraram em todos os graus de adiantamento. Eles adotaram o princípio da pluralidade das existências não só porque os Espíritos lho ensinaram, mas porque esse princípio resulta, como lei da Natureza, da observação dos fatos que temos sob os olhos.

Em resumo, o Espiritismo nada admitiu a título de hipótese prévia. Tudo na sua doutrina é resultado da experiência. Eis tudo o que temos repetido muitas vezes em nossas obras.

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ALLAN KARDEC

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