Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1864

Allan Kardec

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Um Espírito que se julga médium

A Sra. Gaspard, amiga da Sra. Delanne, era uma fervorosa espírita; seu pesar era não ser médium; ela teria desejado sobretudo ser médium vidente. Há muito tempo ela sofria muito de um aneurisma. A 2 de julho último, à noite, a ruptura desse aneurisma a levou a morte súbita. A Sra. Delanne ainda não tinha sido avisada do evento quando, de dia, ouviu pancadas em diversas parte do quarto; a princípio não prestou grande atenção, mas a persistência dos golpes a fizeram pensar que algum Espírito queria comunicar-se. Como ela é muito boa médium, tomou do lápis e escreveu o seguinte:

“Oh! Boa Sra. Delanne, como me fizestes esperar! Acorri para vos contar sobre minha nova faculdade: sou médium vidente. Vi meu caro Emílio, minhas crianças, todos, minha mãe, a mãe do Sr. Gaspard. Oh! Como ele vai sentir-se feliz quando souber! Obrigado, meu Deus por tão grande favor!

P. ─ Sois vós mesma, Sra. Gaspard, que me falais agora?

R. ─ Como! Não me vedes? Estou há muito junto de vós. Estava impaciente porque não me respondíeis. Vamos! Vós vireis, não? Agora é a vossa vez. E depois, isto vos fará bem. Iremos passear, agora que estou bem. Oh! Como a gente se sente feliz ao rever aqueles a quem amamos! Contudo, foi o que me curou. Como o bom Deus é bom, e como cumpre suas promessas, quando se é fiel aos seus mandamentos! ─ Hein! Meu Emílio! E dizer que meu pobre pai ainda vai me dizer que estou louca! Isto não tem importância, mesmo assim lho direi. ─ Vamos, partiremos? É preciso levar vossa mãe, isto lhe fará bem. Pobre mulher! Ela tem um ar tão bom!

P. ─ Vejamos, boa Sra. Gaspard, nós vamos partir, eu vos sigo. Vamos mesmo à vossa casa em Châtillon? Dizei-me o que vedes, ou melhor, o que acontece aí neste momento.

R. ─ Coisas singulares!

A estas palavras o Espírito se vai e a Sra. Delanne nada mais obtém.

Para a compreensão desta última parte da comunicação, diremos que, há algum tempo, um passeio ao campo, em Châtillon, havia sido planejado pelas duas senhoras. Surpreendida por uma morte súbita, a Sra. Gaspard não se dá conta de sua situação e ainda se julga viva. Como ela vê os Espíritos daqueles que lhe são caros, julga haver-se tornado médium vidente. É uma particularidade notável da transição da vida corpórea à espiritual. Além disso, a Sra. Gaspard, achando-se livre do sofrimento, crê-se curada e vem renovar seu convite à Sra. Delanne. Contudo, nela as ideias são confusas, pois vem avisar dando pancadas perto dela, sem compreender que não seria reconhecida deste modo se estivesse viva.

A Sra. Delanne compreende logo a singularidade da situação, mas, não querendo confundi-la, a convida a observar o que se passa em Châtillon. Sem dúvida o Espírito para ali se transporta e é chamado à realidade por uma circunstância imprevista, porquanto ela escreve: “Coisas singulares!” e interrompe sua comunicação.

Aliás, a ilusão não teve longa duração. A partir do dia seguinte, a Sra. Gaspard estava completamente desprendida e ditou uma excelente comunicação, dirigida a seu marido e a seus amigos, felicitando-se por haver conhecido o Espiritismo, que lhe tinha proporcionado uma morte isenta das angústias da separação.

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