Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1864

Allan Kardec

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Eu vos conjuro, meus filhos, em nome dos deuses de nossa pátria, a ter consideração um pelo outro, se conservardes algum desejo de me agradar, pois imagino que considereis como certo que eu não seja mais nada quando houver deixado de viver. Até agora minha alma ficou oculta aos vossos olhos, mas por suas operações reconheceríeis que ela existia.

Não notastes nem mesmo os terrores pelos quais são atormentados os homicidas pelas almas inocentes daqueles que eles levaram à morte, e que vinganças elas tomam desses ímpios? Pensais que o culto que se presta aos mortos teria sido constantemente mantido se se acreditasse que suas almas eram destituídas de todo poder? De minha parte, meus filhos, jamais pude convencer-me de que a alma, que vive enquanto está num corpo mortal, se extinga desde que dele saiu, porque vejo que é ela que vivifica esses corpos destrutíveis enquanto os habita. Também jamais me pude persuadir de que ela perca a sua faculdade de raciocinar no momento em que se separa de um corpo que não tem capacidade de raciocínio. É natural crer que a alma, então mais pura e desprendida da matéria, goze plenamente de sua inteligência. Quando um homem morre, veem-se as diversas partes que o compunham unir-se aos elementos a que pertenciam. Só a alma escapa aos olhares, quer durante sua estada no corpo, quer quando o deixa.

Sabeis que é durante o sono, imagem da morte, que mais a alma se aproxima da Divindade, e que nesse estado muitas vezes prevê o futuro, sem dúvida porque então está inteiramente livre.

Ora, se as coisas são como eu penso, e a alma sobrevive ao corpo que abandona, fazei, em respeito à minha, o que vos recomendo. Se eu não estiver errado; se a alma ficar com o corpo e morrer com ele, ao menos temei os deuses, que não morrem, que tudo veem, que tudo podem, que sustentam no Universo essa ordem imutável, inalterável, invariável cuja magnificência e majestade são inexprimíveis.

Que esse temor vos preserve de toda ação, de todo pensamento que fira a piedade ou a justiça... Mas eu sinto que minha alma me abandona; sinto-o pelos sintomas que de ordinário anunciam a nossa dissolução.


OBSERVAÇÃO: Bem pouco teria um espírita a acrescentar a essas notáveis palavras, dignas de um filósofo cristão, nas quais se acham admiravelmente descritos os atributos especiais do corpo e da alma: o corpo material, destrutível, cujos elementos se dispersam para unir-se aos elementos similares e que, durante a vida, só age por impulsão do princípio inteligente; depois a alma, sobrevivendo ao corpo, conservando sua individualidade e gozando maiores percepções quando desprendida da matéria; a liberdade da alma durante o sono; enfim a ação da alma dos mortos sobre os vivos.

Pode-se ainda notar a distinção feita entre os deuses e a Divindade propriamente dita. Os deuses nada mais eram que os Espíritos em vários graus de elevação, encarregados de presidir, cada um na sua especialidade, todas as coisas deste mundo, na ordem moral e na material. Os deuses da pátria eram os Espíritos protetores da pátria, como os deuses lares eram os protetores da família. Os deuses, ou Espíritos superiores, não se comunicavam com os homens senão por meio de Espíritos subalternos, chamados demônios.

O vulgo não ia além, mas os filósofos e os iniciados reconheciam um Ser Supremo, criador e ordenador de todas as coisas.

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