Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1864

Allan Kardec

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(Sociedade de Paris, 21 de julho de 1864 - Médium: Sr. Vézy)

Já vos falamos diversas vezes das várias provas e expiações, mas diariamente não descobris novas? Elas são infinitas, como os vícios da Humanidade. Como vos estabelecer a sua nomenclatura? Entretanto, vindes reclamar por um fato e eu vou tentar instruir-vos.

Nem tudo é provação na existência. A vida do Espírito continua, como já vos foi dito, desde o nascimento até o infinito. Para uns a morte é um simples acidente que em nada influi sobre o destino do que morre. Uma telha caída, um ataque de apoplexia, uma morte violenta, muitas vezes nada mais fazem além de separar o Espírito do seu envoltório material; mas o envoltório perispiritual conserva, pelo menos em parte, as propriedades do corpo que acaba de cair. Se eu pudesse, num dia de batalha, vos abrir os olhos que possuís, mas dos quais não podeis fazer uso, veríeis muitas lutas continuando, muitos soldados se atirando ainda ao assalto, defendendo e atacando trincheiras; ouvi-los-íeis mesmo soltando seus hurras e gritos de guerra, em meio ao silêncio e sob o véu lúgubre que segue um dia de matança. Terminado o combate, eles voltam aos lares para abraçar seus velhos pais e suas velhas mães que os esperam. Para alguns tal estado às vezes dura muito tempo; é uma continuidade da vida terrena, um estado misto entre a vida corporal e a vida espiritual. Por que, se foram simples e prudentes, sentiriam o frio do túmulo? Por que passariam bruscamente da vida à morte, da claridade do dia à noite? Deus não é injusto e deixa aos pobres de espírito esse prazer, esperando que eles vejam o seu estado pelo desenvolvimento de suas próprias faculdades e que passem calmamente da vida material à vida real do Espírito.

Consolai-vos, pois, vós que tendes pais, mães, irmãos ou filhos extintos sem luta. Talvez lhes seja permitido acreditar ainda que seus lábios se aproximem de vossas frontes. Enxugai vossas lágrimas: o pranto é doloroso para eles, e eles se admiram ao ver-vos derramá-lo; eles envolvem com os braços o vosso pescoço e vos pedem sorrisos. Sorri, pois, para esses invisíveis, e orai para que eles troquem o papel de companheiros pelo de guias; para que desdobrem suas asas espirituais, que lhes permitirão planar no infinito e vos trazer as suas suaves emanações.

Notai bem que não vos digo que todos os mortos de súbito caem nesse estado. Não, mas não há um só cuja matéria não tenha que lutar com o Espírito que se reencontra. Houve o duelo, a carne rasgou-se, o Espírito se obscureceu no momento da separação, e na erraticidade ele reconheceu a verdadeira vida.

Agora vou dizer-vos algumas palavras sobre aqueles para os quais este estado é uma provação. Oh! Como ela é penosa! Eles se julgam vivos e bem vivos, possuindo um corpo capaz de sentir e saborear os prazeres da Terra, e quando suas mãos querem tocá-los, as mãos se dissolvem; quando querem aproximar os lábios de uma taça ou de uma fruta, os lábios se aniquilam; eles veem, eles querem tocar, mas não podem sentir nem tocar. O paganismo oferece uma bela imagem deste suplício apresentando Tântalo sentindo fome e sede e jamais podendo tocar com os lábios na fonte de água que murmurava aos seus ouvidos, ou no fruto que parecia amadurecer para ele. Há maldições e anátemas nos gritos desses infelizes! O que fizeram eles para suportar tais sofrimentos? Perguntai a Deus. É a lei, que foi escrita por ele. Aquele que mata com a espada, morrerá pela espada; aquele que profanou o próximo, por sua vez será profanado. A grande lei de Talião estava escrita no livro de Moisés e ainda está escrita no grande livro da expiação.

Orai pois incessantemente por esses na hora final. Seus olhos fechar-se-ão, e eles dormirão no espaço, como dormiram na Terra, e, ao despertar, encontrarão não mais um juiz severo, mas um pai compassivo, lhes assinando novas obras e novos destinos.

SANTO AGOSTINHO

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