Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1866

Allan Kardec

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A lei humana

Instruções do Espírito do Sr. Bonnamy, pai

A lei humana, como todas as coisas, está submetida ao progresso; progresso lento, insensível, mas constante.

Por mais admiráveis que sejam, para certas pessoas, as legislações antigas dos gregos e dos romanos, elas são muito inferiores às que governam as populações adiantadas de vossa época! ─ Com efeito, o que vemos na origem de cada povo? ─ Um código de costumes e usos tirando a sua sanção da força e tendo como motor o mais absoluto egoísmo. Qual o objetivo de todos os legisladores primitivos? ─ Destruir o para a maior paz da Sociedade. Suspeita-se do criminoso? ─ Não. Bate-se nele para corrigi-lo e lhe mostrar a necessidade de uma conduta mais moderada em relação aos seus concidadãos mal e seus instrumentos? É visando o seu melhoramento? ─ Absolutamente. É exclusivamente para preservar a Sociedade contra as suas ações, Sociedade egoísta que rejeita impiedosamente de seu seio tudo quanto lhe pode perturbar a tranquilidade. Assim, todas as repressões são excessivas e a pena de morte é mais geralmente aplicada.

Isto é concebível quando se considera a ligação íntima que existe entre a lei e o princípio religioso. Ambos avançam concordes, para um objetivo único, amparando-se mutuamente.

A religião sanciona todos os prazeres materiais e todas as satisfações dos sentidos? A lei dura e excessiva fere o criminoso para desembaraçar a Sociedade de um hóspede importuno. A religião se transforma, sanciona a vida da alma e sua independência da matéria? Ela reage também sobre a legislação, demonstra-lhe a responsabilidade que lhe incumbe, no futuro do violador da lei. Daí, a assistência do ministro, seja qual for, nos últimos momentos do condenado. Ainda o agridem, mas já têm a preocupação com esse ser que não morre inteiramente com o seu corpo, e cuja parte espiritual vai receber o castigo que os homens infligiram ao elemento material.

Na Idade Média e desde a era cristã, a legislação recebe do princípio religioso uma influência cada vez mais notável. Ela perde pouco de sua crueldade, mas seus móveis ainda absolutos e cruéis mudaram completamente de direção.

Assim como a Ciência, a Filosofia e a Política, a jurisprudência tem as suas revoluções, que não se devem operar senão lentamente, para serem aceitas pela generalidade dos seres a quem interessam. Uma nova instituição, para dar frutos, não deve ser imposta. A arte do legislador é preparar os espíritos de maneira a fazer com que a desejem e a considerem como um benefício... Todo inovador, por melhores que sejam as intenções que o animem, por mais louváveis que sejam os seus desígnios, será considerado como um déspota, cujo jugo é preciso sacudir, se ele quiser se impor, ainda mesmo que por benefícios. ─ Por seu princípio, o homem é essencialmente livre, e quer aceitar sem constrangimento. Daí as dificuldades que encontram os homens muito avançados para o seu tempo; daí as perseguições com que são abatidos. Eles vivem no futuro! Com um ou dois séculos de avanço sobre a massa de seus contemporâneos, eles não podem senão fracassar e quebrar-se contra a rotina refratária.

Assim, na Idade Média, preocupavam-se com o futuro do criminoso. Pensavam em sua alma, e para a levá-la ao arrependimento, apavoravam-na com os castigos do inferno, as chamas eternas que, por um arrastamento culposo, lhe infligiria um Deus infinitamente justo e infinitamente bom!

Não podendo elevar-se à altura de Deus, os homens, para se engrandecer, o reduziam às suas mesquinhas proporções! Inquietavam-se com o futuro do criminoso; pensavam em sua alma, não por ela própria, mas em razão de uma nova transformação do egoísmo, que consistia em pôr a consciência em repouso, reconciliando o pecador com o seu Deus.

Pouco a pouco, no coração e no pensamento de um pequeno número, a iniquidade de semelhante sistema pareceu evidente. Eminentes espíritos tentaram modificações prematuras, mas que, nada obstante, deram frutos, estabelecendo precedentes sobre os quais se baseia a transformação que hoje se realiza em todas as coisas.

Sem dúvida, ainda por muito tempo a lei será repressiva e castigará os culpados. Ainda não chegamos ao momento em que só a consciência da falta será o mais cruel castigo daquele que a cometeu. Mas, como vedes todos os dias, as penas se abrandam; tem-se em vista a moralização do ser; criam-se instituições para preparar a sua renovação moral; torna-se o seu abatimento útil a ele próprio e à Sociedade. O criminoso não será mais a fera a ser expurgada do mundo a qualquer preço. Será a criança extraviada na qual deve ser corrigido o raciocínio falseado pelas más paixões e pela influência do meio perverso!

Ah! O magistrado e o juiz não são os únicos responsáveis e os únicos a agirem neste mister. Todo homem de coração, príncipe, senador, jornalista, romancista, legislador, professor e artesão, todos devem pôr mãos à obra e trazer o seu óbolo à regeneração da Humanidade.

A pena de morte, vestígio infamante da crueldade antiga, desaparecerá pela força das coisas. A repressão, necessária no estado atual, abrandar-se-á dia a dia; e, em algumas gerações, a única condenação, a colocação fora da lei de um ser inteligente será o último degrau da infâmia, até que, de transformação em transformação, a consciência de cada um fique como único juiz e carrasco do criminoso.

E a quem deveremos todo esse trabalho? Ao Espiritismo, que desde o começo do mundo age por suas revelações sucessivas, como Mosaísmo, Cristianismo e Espiritismo propriamente dito! Por toda parte, em cada período, sua influência benfazeja salta aos os olhos, e ainda há seres bastante cegos para não reconhecê-lo, bastante interessados para derrubá-lo e negar a sua existência. Ah! Esses devem ser lamentados, porque lutam contra uma força invencível: contra o dedo de Deus!

BONNAMY pai. (Médium: Sr. Desliens).

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