Instruções práticas sobre as manifestações espíritas

Allan Kardec

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CAPÍTULO VI
PAPEL DO MÉDIUM E SUA INFLUÊNCIA NAS MANIFESTAÇÕES


Para compreender o papel do médium nas manifestações é preciso que nos demos conta da maneira por que se opera a transmissão do pensamento dos Espíritos. Falamos aqui dos médiuns escreventes.

Como dissemos, o Espírito possui um envoltório semi material chamado perispírito. O fluido condensado, por assim dizer, em redor do Espírito, para formar esse envoltório é o intermediário por meio do qual aquele age sobre o corpo; é o agente de sua força material; é por ele que se produzem os fenômenos físicos.

Se examinarmos certos efeitos que se produzem no movimento das mesas, da cesta ou da prancheta, que escreve, não poderemos duvidar de uma ação exercida diretamente pelo Espírito sobre aqueles objetos. Por vezes a cesta se agita com tal violência que escapa das mãos do médium; outras vezes, mesmo, se dirige para certas pessoas do grupo, para batê-las; outras, ainda, seus movimentos denotam sentimentos afetuosos. O mesmo acontece quando o lápis está na mão: por vezes é atirado ao longe, violentamente, ou a mão, como a cesta, se agita convulsivamente e bate na mesa com raiva, ainda que o médium esteja na maior calma e se admire de não ser senhor de si. Digamos, de passagem, que esses efeitos denotam geralmente a presença de Espíritos imperfeitos; os Espíritos realmente superiores são constantemente calmos, dignos e benevolentes; se não são escutados convenientemente, retiram-se e outros lhes tomam o lugar. O Espírito pode, pois, exprimir diretamente o seu pensamento pelo movimento de um objeto, do qual a mão do médium serve de ponto de apoio. Pode-o até sem que tal objeto esteja em contado com o médium.

A transmissão do pensamento também se dá por meio do Espírito do médium, ou melhor, por meio de sua alma, porque sob este nome designamos o Espírito encarnado. Neste caso o Espírito estranho não age sobre a mão, fazendo-a escrever como no caso da cesta; ele não a domina, não a guia: age sobre a alma, com a qual se identifica. Sob esse impulso, a alma dirige a mão por meio do fluido que constitui o seu perispírito. A mão dirige a cesta, a cesta dirige o lápis. Notemos aqui - e isto é Importante - que o Espírito estranho não se substitui à alma, pois não poderia deslocá-la: ele a domina, mau grado seu e lhe imprime a sua vontade. Quando dizemos mau grado seu, queremos falar da alma agindo exteriormente pelos órgãos do corpo. Mas a alma, como Espírito que é, mesmo encarnado, pode perfeitamente ter consciência da ação exercida sobre si mesma por um Espírito estranho. O papel da alma em tal. circunstância é, por vezes, inteiramente passivo, e, então, o médium nenhuma consciência tem do que escreve ou do que diz, caso seja um médium falante. Mas às vezes, a passividade não é absoluta: então há uma consciência mais ou menos vaga, posto sua mão seja arrastada por um movimento maquinal ao qual fique estranha a sua vontade.

Dir-se-á que se assim é, nada prova que seja um Espírito estranho quem escreve, mas o próprio médium. É aqui o lugar para relevar um erro partilhado por muita gente. Diremos, pois, que pode acontecer que a alma do médium se comunique, como se fosse um Espírito estranho; isto é fácil de compreender-se. Desde que podemos evocar o Espírito de pessoas vivas, ausentes ou presentes, e que esse Espírito se comunique pela escrita ou pela palavra do médium, por que não se comunicaria o Espírito encarnado no médium? Provam os fatos que, em certas circunstâncias assim acontece, como no sonambulismo, por exemplo. Daí se segue que a comunicação dada pela alma do médium seja de menor valor? Absolutamente. O Espírito encarnado no médium pode ser mais adiantado que certos Espíritos estranhos e, então, dará comunicações melhores. A nós cabe julgar. No caso, ele fala como Espírito desprendido da matéria e não como homem. A questão é de saber se não é sempre o Espírito do médium que emite seus próprios pensamentos, como pretendem alguns. Essa opinião absoluta é um sistema que não pode originar-se senão de uma observação incompleta. Assim, é sempre perigoso externar uma teoria sobre coisas não aprofundadas é das quais apenas se viu uma face. Sem dúvida casos há em que a intervenção de um Espírito estranho não é incontestável; basta, porém, que nalguns deles ela seja manifesta para que se conclua que um Espírito, que não o do médium, pode comunicar-se. Ora, essa intervenção estranha não seria duvidosa quando, por exemplo, uma pessoa que não soubesse ler nem escrever, nada obstante escrevesse como médium; quando um médium escreve ou fala uma língua que não conhece; quando, enfim - o que constitui o caso mais comum - nenhuma consciência tem do que escreve, quando os pensamentos expressos são contrários à sua maneira de ver, fora de seus conhecimentos ou acima de seu alcance mental. Sobre este último caso dá a experiência provas tão palpáveis que a dúvida não é permitida em quem haja observado muito e, sobretudo, observado bem.

Seja, pois, qual for o modo de ação do Espírito estranho para a produção pela palavra, o médium nunca passa de um instrumento, mas de um instrumento mais ou menos cômodo. Isto permite que façamos uma observação importante, que responderá a esta pergunta natural: Por que nem todos os médiuns escrevem em todas as línguas que lhes são desconhecidas?

O Espírito estranho sem dúvida compreende todas as línguas, desde que estas são a expressão do pensamento e o Espírito compreende pelo pensamento. Mas para comunicar tal pensamento é necessário um instrumento - o médium. A alma do médium que recebe a comunicação estranha só por seus órgãos corpóreos poderá transmiti-a; ora, esses órgãos não podem ter para uma língua desconhecida a mesma flexibilidade que têm para a que lhes é familiar. Um médium que apenas fala francês acidentalmente poderá dar uma resposta em inglês, por exemplo, se ao Espírito agrada fazê-lo; mas os Espíritos, que já acham muito lenta a linguagem humana, em relação à rapidez do pensamento, por isso que o abreviam quanto podem, impacientam-se com a resistência mecânica que aqueles oferecem. Por isso nem sempre o fazem. É também esta a razão por que o médium novato, que escreve lentamente e com dificuldade, mesmo em sua própria língua, em geral só consegue respostas breves e sem desenvolvimento. Assim, recomendam os Espíritos que por intermédio destes últimos não sejam feitas perguntas senão muito simples. Para as de maior importância é necessário um médium desenvolvido, que não ofereça nenhuma dificuldade mecânica ao Espírito. Nós não tomaríamos para leitor um escolar que apenas deletasse. Um bom operário não gosta de se servir de ferramenta ordinária. Acrescentamos uma outra consideração, de grande importância no que concerne às línguas estranhas. Os ensaios desse gênero são sempre feitos com o objetivo de curiosidade e de experimentação. Ora, nada mais antipático para os Espíritos do que as provas a que tentam submetê-los. Os Espíritos superiores a isso não se prestam e se afastam desde que tentamos entrar por esse caminho. Tanto se comprazem nas coisas úteis e sérias, quanto lhes repugna ocupar-se das coisas fúteis e sem finalidade. É, dirão os incrédulos, para nos convencer; e tal objetivo é útil, desde que pode ganhar adeptos à causa dos Espíritos. A isto respondem os Espíritos: "Nossa causa não necessita dos que são tão orgulhosos que se julgam indispensáveis: chamamos a nós aqueles que queremos e, frequentemente são os mais humildes. Jesus realizou os milagres que lhe pediam os Escribas? De que homens se serviu para revolucionar o mundo? Se quiserdes convencer-vos tendes outros meios fora da exibição de força: começai por vos submeterdes; não é do regulamento que o estudante imponha a sua vontade a.o seu professor”.

Disso resulta que, tirantes raras exceções, o médium transmite o pensamento dos Espíritos pelos meios mecânicos à sua disposição e que a expressão desse pensamento pode, e, mesmo, deve, na maioria dos casos, ressentir-se da imperfeição desses meios. Assim, o homem inculto, o campônio, poderá dizer as mais belas coisas, exprimir os mais elevados pensamentos, os mais filosóficos, falando como um camponês. Para os Espíritos o pensamento é tudo, a forma, nada. Isto responde à objeção de certos críticos, relativamente às incorreções de estilo e de ortografia, que podem ser notadas, e que tanto podem vir do médium quanto do Espírito. Seria futilidade agarrar-se a semelhantes coisas.

Se, do ponto de vista da execução, o médium não passa de um instrumento, sob outro aspecto exerce uma grande influência. Desde que, para se comunicar, o Espírito estranho se identifica com o do médium, tal identificação só se verifica quando entre eles se estabelece simpatia e, se assim se pode dizer, afinidade. A alma exerce sobre o Espírito estranho uma espécie de atração ou de repulsão, conforme o grau de similitude ou de dessemelhança. Ora, os bons têm afinidade pelos bons e os maus pelos maus. De ande se segue que as qualidades morais do médium têm uma influência capital sobre a natureza dos Espíritos que por seu intermédio se comunicam. Se for viciado, os Espíritos inferiores virão agrupar-se em seu redor e estarão sempre prontos a tomar o lugar dos bons Espíritos que forem chamados. As qualidades que atraem os bons Espíritos são: a bondade, a benevolência, a simplicidade de coração, o amor ao próximo e o desprendimento das coisas materiais. Os defeitos que os repelem são: o egoísmo, a inveja, o ciúme, o ódio, a cupidez, a sensualidade e todas as paixões pelas quais o homem se liga à matéria. Um médium por excelência seria, então, aquele que ligasse a facilidade de execução ao mais alto grau de qualidades morais.

A influência do Espírito do médium pode ainda exercer-se de outra maneira. Se for hostil ao Espírito estranho que se comunica, pode lhe ser um intérprete infiel, alterar ou mascarar seu pensamento, ou apresentá-lo em termos impróprios. Dá-se o mesmo entre nós, quando escolhemos um homem de má fé para uma missão de confiança.

A faculdade mediatriz, seja qual for o seu grau de extensão, não basta para que tenhamos boas comunicações. Antes de tudo é necessário, como condição expressa, um médium simpático aos bons Espíritos. A repulsão destes pelos médiuns inferiores do ponto de vista moral e fácil de compreender. Nos tomaríamos como confidentes pessoas às quais não estimássemos?

Certas criaturas não realmente mal aquinhoadas relativamente às comunicações: algumas há que nem recebem nem transmitem habitualmente senão coisas triviais ou grosseiras, para não dizer mais. Devem elas deplorá-lo como um indício seguro da natureza dos Espíritos que se agrupam em seu redor, pois certamente não são Espíritos superiores os que empregam semelhante linguagem. Nunca seriam demasiados os esforços para se desvencilharem de acólitos tão pouco recomendáveis, a menos que tais criaturas achem um certo encanto em tal gênero de conversação. Em todo caso, concitamo-las a evitar a sua exibição, pois isto lhes poderia dar uma ideia pouco lisonjeira das simpatias que encontram no mundo dos Espíritos. Completaremos o que fica dito dos médiuns à medida que o exigir o desenvolvimento dessas instruções.

Então seria absolutamente impossível ter boas comunicações por médiuns imperfeitos? É o que veremos no capitulo seguinte.

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