Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1867

Allan Kardec

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Pressentimentos e prognóticos

Extraímos do mesmo artigo do jornal acima citado os fatos abaixo, que acompanham a notícia sobre o cura Gassner, porque o Espiritismo deles pode tirar um útil assunto para instrução. O autor do artigo faz, na sequência do artigo, algumas reflexões dignas de nota nestes tempos de ceticismo em relação a causas extramateriais.

“Gassner tinha desfrutado de grande consideração junto à imperatriz Maria Tereza, que o consultava muitas vezes, tendo alguma fé em suas inspirações. Contase (Vide as Memórias de Madame Campan) que na época em que tinha sido concebida a ideia de unir a filha de Maria Tereza ao neto de Luís XV, a grande imperatriz chamou Gassner e lhe perguntou: “Minha Antonieta será feliz?”

“Depois de haver refletido longamente, Gassner empalideceu estranhamente e persistiu em guardar silêncio.

“Premido de novo pela imperatriz, e então procurando dar uma expressão geral à ideia com a qual parecia muito ocupado, respondeu: “Senhora, há cruzes para todos os ombros.”

“O casamento ocorreu a 16 de maio de 1770; o delfim e Maria Antonieta receberam a bênção nupcial na capela de Versalhes (Maria Antonieta havia chegado a Compiègne no dia 14). Às três horas da tarde o céu cobriu-se de nuvens; torrentes de chuva inundaram Versalhes; violentos trovões ribombaram e a multidão de curiosos que enchia o jardim foi obrigada a se retirar.

“A chegada de Maria Antonieta no palácio dos reis de França (leiamos a Vida pública e privada de Luís XVI, por M. A... e de Salex; Paris, 1814, pg. 340), foi assinalada por um desses prognósticos dos quais ordinariamente só se lembra quem os viu realizar-se no correr dos tempos.

“No momento em que essa princesa, entrando pela primeira vez nos pátios do castelo de Versalhes, pôs os pés no pátio de mármore, um violento trovão abalou o castelo: Presságio de desgraça! exclamou o marechal de Richelieu.

“A noite foi triste na cidade e a iluminação não produziu nenhum efeito.

“Acrescentai a isto o terrível acidente ocorrido a 30 de maio na Rua Royale, no dia da festa que a cidade de Paris deu na Praça Luís XV, pelo casamento do Delfim e da Delfina. Anquetil estima em 300 o número de mortos na praça e em 1.200 o dos que sucumbiram nos hospícios ou em domicílio poucos dias depois, ou que ficaram estropiados.

“‘Em 1757 (ver os Affiches de Tours, 25º ano, n º 14. ─ Quinta-feira 5 de abril de 1792) madame Pompadour mandou vir à presença de Luís XV um astrólogo que, depois de ter calculado a posição dos astros na sua data de nascimento, lhe disse: “Senhor, vosso reino é célebre por grandes acontecimentos, e o que o seguirá sê-lo-á por grandes desastres.”

“No dia da morte de Luís XV houve em Versalhes uma horrorosa tempestade.

“Que acúmulo de prognósticos!

“Durante oito anos o casamento da rainha foi estéril. ─ A 19 de dezembro de 1778 nasceu uma filha, Maria Tereza Carlota (mais tarde chamada pelo título de seu esposo, Senhora Delfina, Duquesa de Angoulême). Três anos mais tarde, a 22 de outubro de 1781, Maria Antonieta deu um herdeiro à coroa. A cidade de Paris ofereceu à rainha, nessa ocasião, uma festa na qual foi exibida a mais suntuosa munificência.

“Essa festa se deu a 21 de janeiro de 1782. Onze anos mais tarde a comuna de Paris dava ao povo o espetáculo da morte do rei. A rainha estava presa, esperando que se realizasse a visão de Gassner.

“Considerando-se que tocamos nestas questões causticantes, escutai ainda as revelações da senhora Campan. ─ Estávamos em maio de 1789; os dias 4 e 5 tinham impressionado diversamente os Espíritos; quatro velas iluminavam o gabinete da rainha, que narrava alguns acidentes notáveis que haviam ocorrido naquele dia. ─ “Uma vela apagou-se por si mesma; eu a reacendi, disse a senhora Campan; logo a segunda, depois a terceira também se apagaram; então a rainha, apertando-lhe a mão num movimento de pavor, lhe disse: ‘A desgraça pode tornar supersticiosa; se esta quarta vela se apagar como as outras, nada poderá impedir-me de olhar este sinal como um sinistro presságio...’ A quarta vela apagou-se!!!

“Poucas noites antes a rainha tinha tido, dizia ela, um sonho horroroso, pelo qual tinha ficado profundamente afetada.

“Sem dúvida os espíritos fortes riem de todos esses prognósticos, de todas essas profecias, desse dom de visão anterior. Eles não creem nisto, ou fingem não crer! Mas, por que, então, em todas as épocas, houve personagens de algum valor, de alguma importância que, sem um interesse qualquer, confirmaram fatos deste gênero, que declararam absolutos, positivos.

“Citemos alguns exemplos:

“Théodore-Agrippa d’Aubigné, avô da Sra. de Maintenon, relata em suas Memórias ter tido a seu serviço, em Poitou, um surdo-mudo de nascença dotado do dom da adivinhação:

“Um dia, dizia-me ele, as moças da casa lhe tendo perguntado quantos anos ainda viveria o rei Henrique IV, o tempo e as circunstâncias de sua morte, ele lhe deu três anos e meio e designou a cidade, a rua e o carro com as duas facadas que receberia no coração.”

“Algumas palavras ainda sobre este mesmo Henrique IV:

“Que opinião teremos dos negros pressentimentos muito frequentes que esse infeliz príncipe teve de seu cruel destino? pergunta Sully em suas Memórias, livro XXVII. ─ Elas são de uma singularidade que tem algo de apavorante. Já mencionei com que repugnância ele tinha permitido que a cerimônia do coroamento da rainha se fizesse antes de sua partida; quanto mais ele via aproximar-se o momento, mais sentia o medo e o horror redobrarem em seu coração. Ele vinha abri-lo inteiramente a mim, nesse estado de amargura e de abatimento do qual eu o tirava como de uma fraqueza imperdoável. Suas próprias palavras darão uma impressão completamente diversa das que eu poderia dizer: ‘Ah! meu amigo, dizia-me ele, como esta sagração me desagrada; não sei o que é, mas o coração me diz que me acontecerá alguma desgraça.’ Ele sentava-se numa cadeira baixa que eu tinha mandado fazer especialmente para ele, dizendo-me essas palavras, e, entregue a todas as negruras de suas ideias, tamborilava com os dedos no estojo de seus óculos, sonhando profundamente.

“Se ele saía desse devaneio, era para se levantar bruscamente, batendo as mãos nas coxas e para gritar: ‘Por Deus, morrerei nesta cidade, dela não sairei mais; eles me matarão; vejo claramente que eles põem seu último recurso na minha morte! Ah! Maldita sagração, tu serás a causa de minha morte!’

“─ Meu Deus, senhor, disse-lhe eu um dia, a que ideia vos entregais? Se ela continua, sou de opinião que deveis cancelar esta sagração e coroamento, viagem e guerra. Vós o quereis? Imediatamente será feito.

“─ ‘Sim ─ disse-me ele enfim, depois de eu ter repetido essas coisas duas ou três vezes ─ sim, suspendei a sagração, e que eu não ouça mais falar dela; por este meio terei o espírito curado das impressões que alguns avisos aí deixaram; sairei desta cidade e nada mais temerei.

“Por que sinal reconheceriam esse grito secreto e imperioso do coração, se desconhecessem estes que ele me dizia: ‘Não quero esconder-vos que me disseram que eu deveria ser morto na primeira magnificência que eu fizesse, e que morreria num carro, e é isto que me deixa temeroso.’

“─ Parece que vós jamais me havíeis dito isto, senhor, respondi-lhe eu; várias vezes me admirei vendo-vos gritar num carro, ver-vos tão sensível a um pequeno perigo, depois vos ter visto tantas vezes intrépido em meio a tiros de canhão e de mosquete e entre lanças e espadas nuas; mas já que esta opinião vos perturba a este ponto, em vosso lugar, senhor, eu partiria amanhã mesmo; deixaria fazer a sagração sem vós, ou a adiaria e por muito tempo não voltaria a Paris, nem entraria num carro. Quereis que eu mande tudo agora a Notre-Dâme e a SaintDenis, suspenda tudo e despeça os operários?

“─ Quero sim, disse-me o príncipe, mas, que dirá minha mulher? Ela tem essa sagração como um sonho em sua mente.

“─ Ela dirá o que quiser, redargui, vendo quanto minha proposta tinha agradado ao rei. Mas eu não poderia crer que quando ela souber da vossa convicção de que isto deve ser a causa de muito mal ela continue mantendo sua opinião.”

“Não esperei outra ordem para mandar interromper os preparativos da coroação. É com verdadeiro pesar que me vejo obrigado a dizer que por mais esforços que fizesse, jamais pude induzir a rainha a dar esta satisfação a seu esposo.

“Passo em silêncio as solicitações, as preces e as contestações que empreguei durante três dias inteiros para tentar dobrá-la. O príncipe teve que ceder. Mas Henrique não voltou menos fortemente às suas primeiras apreensões, que ordinariamente me exprimia por estas palavras que ele trazia frequentemente em sua boca: ─ Ah! meu amigo, jamais sairei desta cidade; eles me matarão aqui! Ó maldita sagração, tu serás a causa de minha morte!”



“Essa sagração foi feita em Saint-Denis, quinta-feira, 13 de maio, e a rainha devia, no domingo, 16 do mesmo mês, fazer sua entrada em Paris.

“A 14, o rei quis visitar Sully, visita que lhe tinha anunciado para a manhã de sábado, 15. Tomou seu carro e saiu, modificando várias vezes o seu itinerário no caminho, etc. etc.

“Seu historiador Péréfixe faz observar que ‘O céu e a terra não tinham dado senão muitos prognósticos do que lhe aconteceu.’

“O Bispo de Rhodez põe no elenco desses prognósticos um eclipse do Sol, a aparição de um terrível cometa, tremores de terra, monstros nascidos em diversas regiões da França, chuvas do sangue que caíram em diversos lugares, uma grande peste que havia afligido Paris em 1606, aparições de fantasmas e vários outros prodígios (ver a História de Henrique o Grande por Hardouin de Péréfixe, bispo de Rhodez, Vie du duc d’Epernon, Mercure français, Mathieu, l’Estoile, etc.) “Paremos! Escreveríamos um volume, volumes, tão abundantes são os fatos. Mas é necessário recorrer aos relatos dos outros? Que cada um pergunte a si mesmo; que cada um chame as suas próprias recordações e responda com lealdade e franqueza, e cada um dirá: Há em mim um desconhecido que somos nós, que ao mesmo tempo comanda o meu eu matéria e lhe obedece. ─ Esse desconhecido, espírito, alma, o que é? Como é? Por que é? Mistério; série de mistérios; inexplicável mistério. Como tudo na Natureza, no organismo, na vida, a vida e a morte não são dois impenetráveis mistérios? O sono, este ensaio da morte, não é um inexplicável mistério? A assimilação dos alimentos, que se tornam nós: inexplicável, incompreensível mistério! A geração: misteriosa obscuridade! Essa obediência passiva de meus dedos que traçam estas linhas e obedecem à minha vontade: trevas cuja profundidade só Deus sonda e que se iluminam, só por ele, com a luz da verdade!

“Baixai a cabeça, filhos da ignorância e da dúvida; humilhai essa orgulhosa que chamais razão; livres-pensadores, sofrei as cadeias que constringem a vossa inteligência; dobrai os joelhos: só Deus sabe!”

Nestes fatos há que considerar duas coisas bem distintas: os pressentimentos e os fenômenos considerados como prognósticos de acontecimentos futuros.

Não poderíamos negar os pressentimentos, dos quais há poucas pessoas que não tenham tido exemplos. É um desses fenômenos cuja explicação tão somente a matéria é impotente para dar, porque se a matéria não pensa, ela também não pode pressentir. É assim que o materialismo a cada momento se choca contra as coisas mais vulgares que vêm desmenti-lo.

Para ser advertido de maneira oculta sobre aquilo que acontece à distância e de que não podemos ter conhecimento senão num futuro mais ou menos próximo pelos meios ordinários, é preciso que algo se desprenda de nós, veja e ouça o que não podemos perceber pelos olhos e pelos ouvidos, para transmitir a intuição ao nosso cérebro. Esse algo deve ser inteligente, porque compreende e muitas vezes de um fato atual prevê consequências futuras. É assim que por vezes temos o pressentimento do futuro. Esse algo não é outra coisa senão nós mesmos, nosso ser espiritual, que não está confinado no corpo, como um pássaro numa gaiola, mas que, semelhante a um balão cativo, afasta-se momentaneamente da Terra, sem deixar de estar a ela ligado.

É sobretudo nos momentos em que o corpo repousa, durante o sono, que o Espírito, aproveitando o descanso que lhe deixa o cuidado de seu envoltório, em parte recobra a liberdade e vai colher no espaço, entre outros Espíritos, encarnados como ele, ou desencarnados, e naquilo que ele vê, ideias cuja intuição ele traz ao despertar.

Essa emancipação da alma por vezes se dá no estado de vigília, nos momentos de absorção, de meditação e de devaneio, em que a alma parece não mais preocupada com a Terra. Ele ocorre, sobretudo de maneira mais efetiva e mais ostensiva, nas pessoas dotadas do que se chama dupla vista ou visão espiritual.

Ao lado das intuições pessoais do Espírito, há que colocar as que lhe são sugeridas por outros Espíritos, quer em vigília, quer no sono, pela transmissão de pensamentos de alma a alma. É assim que muitas vezes se é advertido de um perigo, solicitado a tomar tal ou qual direção, sem que por isto o Espírito deixe de ter o seu livre-arbítrio. São conselhos e não ordens, porque ele sempre fica livre de agir à sua vontade.

Os pressentimentos têm, pois, a sua razão de ser, e encontram a sua explicação natural na vida espiritual, que não cessamos um instante de viver, porque é a vida normal.

Já não é o mesmo com os fenômenos físicos considerados como prognósticos de acontecimentos felizes ou infelizes. Em geral esses fenômenos não têm nenhuma ligação com as coisas que parecem pressagiar. Eles podem ser precursores de efeitos físicos que são a sua consequência, como um ponto negro no horizonte pode ao marinheiro pressagiar uma tempestade, ou certas nuvens anunciar o granizo, mas a significação desses fenômenos para as coisas de ordem moral deve ser posta entre as crenças supersticiosas, que nunca seriam combatidas com demasiada energia.

Essa crença, que absolutamente não repousa sobre nada de racional, faz com que, quando chega um acontecimento, nos lembremos de algum fenômeno que o precedeu, e ao qual o espírito chocado o liga, sem se inquietar com a impossibilidade de relações que só existem na imaginação. Não pensamos que os mesmos fenômenos se repetem diariamente, sem que daí resulte nada de aborrecido, e que os mesmos acontecimentos chegam a cada instante, sem serem precedidos por nenhum pretenso sinal precursor. Se se trata de acontecimentos que dizem respeito a interesses gerais, narradores crédulos, ou, o mais das vezes, oficiosos, para lhes exaltar a importância aos olhos da posteridade, amplificam os prognósticos que eles se esforçam por tornar mais sinistros e mais terríveis, adicionando-lhes supostas perturbações da Natureza, das quais os tremores de Terra e os eclipses são os acessórios obrigatórios, como fez o bispo de Rodez a propósito da morte de Henrique IV. Esses relatos fantásticos, que muitas vezes tinham sua fonte nos interesses dos partidos, foram aceitos sem exame pela credulidade popular que viu, ou à qual queriam fazer ver milagres nesses estranhos fenômenos.

Quanto aos acontecimentos vulgares, o mais das vezes o homem é a sua primeira causa. Não querendo reconhecer suas próprias fraquezas, busca uma desculpa pondo à conta da Natureza as vicissitudes que são quase sempre o resultado de sua imprevidência e de sua imperícia. É em suas paixões, em seus defeitos pessoais que se deve buscar os verdadeiros prognósticos de suas misérias, e não na Natureza, que não se desvia da rota que Deus lhe traçou por toda a eternidade.

Explicando por uma lei natural a verdadeira causa dos pressentimentos, o Espiritismo demonstra, por isso mesmo, o que há de absurdo na crença nos prognósticos. Longe de dar crédito à superstição, ele lhe tira seu último refúgio: o sobrenatural.

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