Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1861

Allan Kardec

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Apreciação da história do maravilhoso do Sr. Louis Figuier, pelo Sr. Escande, redator da "Mode Nouvelle"

Nos artigos que publicamos sobre essa obra procuramos principalmente o ponto de partida do autor, o que não nos foi difícil, pois citando as suas próprias palavras provamos que se baseia em ideias materialistas. Sendo falsa a base, pelo menos do ponto de vista da imensa maioria dos homens, as consequências que dela tirou contra os fatos que qualifica de maravilhosos são, por isso mesmo, eivadas de erros. Isto não impediu que alguns de seus confrades da imprensa lhe exaltassem o mérito, a profundidade e a sagacidade da obra. Contudo, nem todos são dessa opinião. A respeito, encontramos no Mode Nouvelle[1], jornal mais sério que o seu título, um artigo tão notável pelo estilo quanto pela justeza das apreciações. Sua extensão não nos permite citá-lo por inteiro. Além disso, o autor promete outros, porque neste apenas se ocupa do primeiro volume. Os leitores serão gratos por lhes darmos alguns fragmentos.

I

“Este livro tem grandes pretensões, mas não justifica nenhuma. Ele queria passar por erudito, afeta ciência, exibe uma aparente abundância de pesquisas, mas sua erudição é superficial, sua ciência incompleta, suas pesquisas prematuras e mal digeridas. O Sr. Louis Figuier deu-se à especialidade de recolher, um a um, os mil pequenos fatos que pululam, dia a dia, em torno das academias, como essas longas filas de cogumelos que nascem da noite para o dia sobre as camadas criptogamíferas, e em seguida com eles organiza livros que fazem concorrência ao Cozinheira Burguesa e aos tratados do Bom Homem Ricardo. Acostumadíssimo a esse trabalho de composições fáceis ─ inferiores ao trabalho de compilação desse bom Padre Trublet, do qual Voltaire zombou espirituosamente ─ e que forçosamente lhe proporcionam lazeres, ele disse para si mesmo que não seria mais difícil explorar a paixão do sobrenatural, que mais do que nunca torna febris as imaginações, do que utilizar as conversas quase sempre ociosas da segunda classe do Instituto. Habituado a redigir revistas científicas repetindo o que é dos outros, com os resumos de relatórios que por sua vez resume, com as teses e memórias que analisa; hábil em reunir mais tarde em volumes esses resumos de resumos, põe-se à obra. Fiel ao seu passado, compulsou às pressas todos os tratados sobre a matéria que lhe caíram às mãos, esmigalhou-os, depois misturou essas migalhas à sua maneira, com elas compondo um livro, depois do que não duvidamos que tenha exclamado com Horácio: Exegi monumentum. ‘Eu também erigi um monumento, que será mais duradouro que o bronze!’

“E ele teria razão para sentir-se orgulhoso de sua criação, se a qualidade fosse medida pela quantidade. Com efeito, ela não é constituída por menos de quatro grossos volumes, essa história do maravilhoso, e só contém a história do maravilhoso nos tempos modernos, de 1630 até os nossos dias; apenas dois séculos, o que suporia ao menos um pouco mais que o dobro das mais volumosas enciclopédias, se contivesse a história do maravilhoso em todos os tempos e de todos os povos! Assim, quando se pensa que esse fragmento de monografia de tão vasta extensão não lhe custou senão alguns meses de trabalho, somos tentado a crer que esse parto, ao mesmo tempo tão grande e tão apressado, é mais maravilhoso que as maravilhas que encerra. Mas essa fecundidade deixa de ser um prodígio quando se estuda de perto o processo de composição de que fez uso e que, na verdade, lhe é tão familiar que não seria possível esperar que empregasse outro. Em vez de condensar os fatos, de expô-los sumariamente, de negligenciar detalhes inúteis, de ater-se sobretudo a pôr em relevo as circunstâncias características, e em seguida discuti-las, ocupou-se apenas em escrever um folhetim mais longo que os que semanalmente escreve no La Presse. Armado de uma tesoura, recortou das obras anteriores à sua o que favorecia as ideias preconcebidas que desejava fazer triunfar, afastando o que poderia contrariar a opinião que a priori havia formado sobre esse importante assunto, o que sobretudo poderia contrariar a explicação natural que se propunha dar das manifestações qualificadas como sobrenaturais pelo que os livrespensadores são unânimes em chamar de credulidade pública, porque é ainda uma das pretensões de seu livro ─ e esta não é melhor justificada que as outras ─ dar uma solução física ou médica nova achada por ele, solução triunfante, inatacável, doravante ao abrigo das objeções dos homens bastante simples para crerem que Deus é mais poderoso que os nossos sábios. Ele o repete em cem passagens de sua obra, para que ninguém o ignore, e com a esperança de que acabarão por crê-lo, embora se limite a repetir o que, a respeito, antes dele disseram todos aqueles físicos ou médicos, filósofos ou químicos que têm mais horror ao sobrenatural do que Pascal tinha ao vácuo.

“Daí resulta que essa história do maravilhoso carece, ao mesmo tempo, de autoridade e de proporções. Do ponto de vista dogmático não ultrapassa as negações dos negadores anteriores; não adiciona nenhum argumento aos já desenvolvidos, e nesta questão, como em todas as outras, não compreendemos a utilidade dos ecos. Há mais: atormentado pelo desejo de parecer fazer melhor que Calmeil, Esquiros, Montègre, Hecquet e tantos outros que o precederam e serão sempre seus mestres, o Sr. Louis Figuier por vezes se perde no labirinto confuso das demonstrações que lhes toma de empréstimo, querendo delas apropriar-se, e por vezes acaba rivalizando na lógica com o Sr. Babinet. Quanto aos fatos, acumulou-os em enorme quantidade, embora um pouco ao acaso, truncando uns, descartando outros, preocupado em reproduzir de preferência os que pudessem oferecer uma certa atração na leitura. Isto prova que ele visou principalmente o sucesso fácil, a lutar com os romancistas do dia, e somos tentados a perguntar como ele não induziu o editor a incluir a sua obra na divertida Biblioteca das Estradas de Ferro, a fim de que fosse mais diretamente dirigida a essa multidão que lê para se distrair e não para instruir-se.

“Não podemos negar que seu livro é divertido, se é que basta a um livro, para ter esse mérito, parecer uma coleção de historietas visando ao pitoresco, sem muita preocupação com a verdade, o que não o impede de se gabar a todo instante e sem propósito algum, de sua imparcialidade, de sua veracidade, ─ uma pretensão a mais, a acrescentar a todas as que indicamos, e na qual se envolve com tanto mais afetação quanto não se dissimula se ela lhe falta. ─ Tal qual é, não poderíamos compará-lo melhor do que a esses restaurantes populares pródigos de comestíveis, que não têm de sedutores senão a aparência, e que servem aos consumidores sem preocupação com o cardápio. Mais superficial que profundo, ali o importante é sacrificado ao fútil, o principal ao acessório, o lado dogmático ao lado episódico. As lacunas, aliás, são tão abundantes quanto as coisas inúteis e, para que nada falte, está cheio de contradições, afirmando aqui o que nega adiante, tanto que seríamos tentado a crer que nisto, diferente do célebre Pico de la Mirândola ─ capaz de dissertar de omni re scibili[2] ─ O Sr. Louis Figuier empreendeu ensinar aos outros o que ele próprio não sabia.


II

“Poderíamos limitar aqui o exame dessa história do maravilhoso se não tivéssemos que justificar estas severas mas justas apreciações. Para começar, é preciso acrescentar que aquele que a escreveu não acredita na possibilidade do sobrenatural? Não o cremos. Em sua qualidade de acadêmico supranumerário ─ um supranumerariato que provavelmente não terminará com a sua vida, em virtude dos poderes que lhe confere o seu título de folhetinista científico, ele não podia sustentar outra tese, sem se expor a ser posto no índex pelo exército de incrédulos, dos quais ele se julga susceptível de fazer parte. Ele também não crê e, a esse respeito, sua incredulidade está acima de suspeitas. Ele é do número “desses espíritos sábios que, testemunhas do desbordamento imprevisto do maravilhoso contemporâneo, não podem compreender um tal engano em pleno século XIX, com uma filosofia adiantada e em meio a esse magnífico movimento científico, que hoje dirige tudo para o positivo e para o útil.” ─ Reconhecemos que deve ser penoso para “esses espíritos sábios” ver que o espírito público assim se recusa a despojar-se de seus velhos preconceitos e persiste em ter crenças diversas das do positivismo filosófico que, entretanto, são as de todos os animais. Aliás, esse dissabor não data apenas dos nossos dias. O Sr. Louis Figuier o confessa, não sem despeito, quando pergunta, em termos aturdidos, como é possível que o maravilhoso tenha resistido ao século XVIII, “o século de Voltaire e da Enciclopédia”, enquanto “os olhos se abriam para as luzes do bom-senso e da razão.” Que fazer, então? Tão vivaz é esta crença no maravilhoso, consagrada por todas as religiões, que foi a de todos os tempos, de todos os povos, sob todas as latitudes e em todos os continentes, que os livrepensadores, satisfeitos por tê-la agitado por si e para si mesmos, fariam muito bem em abster-se, de agora em diante, de um proselitismo cujo sucesso sabem inevitável.

“Mas o Sr. Louis Figuier não é desses corações pusilânimes que se apavoram com o avanço da inutilidade de seus esforços. Cheio de confiança e de suficiência em sua força, vangloria-se de realizar o que Voltaire, Diderot, Lamétrie, Dupuis, Volney, Dulaure, Pigault-Lebrun; o que Dulaurens com o seu Compère Mathieu; o que os químicos com seus alambiques, os físicos com suas pilhas elétricas, os astrônomos com seus compassos, os panteístas com seus sofismas, o trocita malévolo com seu ceticismo de mau gosto, foram impotentes para realizar. Ele se propôs demonstrar de novo e triunfalmente, desta vez, que “o sobrenatural não existe e jamais existiu” e, por consequência, que “os prodígios antigos e contemporâneos podem todos ser atribuídos a uma causa natural.” A tarefa é árdua; até aqui os mais intrépidos nela sucumbiram. Mas “semelhante conclusão, que necessariamente afastaria todo agente sobrenatural, seria uma vitória da Ciência sobre o espírito de superstição, para grande benefício da razão e da dignidade humanas”. E essa vitória satisfez sua ambição, ─ vitória mais fácil do que pensamos, se o Sr. Louis Figuier não se tiver equivocado quando diz, em sua introdução, que “nosso século inquieta-se muito pouco com as matérias teológicas e disputas religiosas.” Então, para que partir em guerra contra uma crença que não existe? Para que atacar as opiniões de uma Teologia com que ninguém se ocupa? Para que dar atenção a superstições religiosas que não mais nos preocupam? “Vitória sem perigo é triunfo sem glória”, diz o poeta, e não convém tocar muito alto a trombeta guerreira, se não se tem que combater senão moinhos de vento. Que quereis? O Sr. Louis Figuier tinha esquecido, ao escrever isto, o que havia escrito acima, quando confessava, com a vergonha no rosto, que o nosso século, surdo às lições da Enciclopédia e aos ensinos da imprensa leiga, se tinha subitamente empolgado pelo maravilhoso e, mais do que os seus antepassados, acreditava no sobrenatural, aberração incompreensível, da qual queria curá-lo. Mas esta contradição é tão pequena que talvez não valesse a pena ser destacada. Veremos muitas outras e ainda seremos obrigados a desprezar muitas!

“Assim, o Sr. Louis Figuier nega que se produzam em nossos dias, e que se tenham produzido em qualquer tempo, manifestações sobrenaturais. Com relação aos milagres, só a Ciência pode fazê-los. O poder de Deus jamais foi até aí. Até mesmo quando dizemos que Deus não tem tal poder, temos uma espécie de escrúpulo de traduzir incompletamente o seu pensamento. Reconhece ele um outro deus senão o deus Natureza, tão admirável na sua inteligência cega, e que realiza maravilhas sem o suspeitar, deus querido dos sábios, porque é bastante complacente para lhes deixar crer que usurpem diariamente uma fatia de sua soberania? É uma questão que não nos permitimos aprofundar.

“Mediocremente maravilhosa, essa história do maravilhoso começa por uma introdução que o Sr. Louis Figuier chama um golpe de vista rápido ao sobrenatural na Antiguidade e na Idade Média, da qual nada diremos, porque teríamos que dizer demais. As mais importantes manifestações aí são desfiguradas, sob pretexto de resumo, e compreende-se que seria preciso muito tempo e espaço para restituir a verdadeira fisionomia aos milhares de fatos que ali só figuram de maneira abreviada.

“O edifício é digno do peristilo. Essa história do maravilhoso, durante os dois últimos séculos, abre-se para o relato do assunto de Urbain Grandier e das religiosas de Loudun; vem a seguir a varinha mágica, os tremedores das Cévennes, os convulsionários jansenistas, Cagliostro, o magnetismo e as mesas girantes. Mas da possessão de Louviers nenhuma palavra, e também nenhuma palavra sobre os iluminados, os martinistas, o swedenborgismo, os estigmatizados do Tirol, a notável manifestação das crianças na Suécia, há menos de cinquenta anos. Disse apenas uma palavra sobre os exorcismos do Padre Gassner e menos de uma página insignificante é consagrada à vidente de Prevorst.

O Sr. Louis Figuier teria feito melhor se tivesse intitulado seu livro: Episódios da História do Maravilhoso nos Tempos Modernos. Ainda os episódios que escolheu podem dar lugar a sérias objeções. Ninguém jamais atribuiu às mágicas de Cagliostro uma significação sobrenatural. Era um hábil intrigante, que possuía alguns curiosos segredos, dos quais soube servir-se para fascinar aqueles que queria explorar e que, sobretudo, possuía numerosos comparsas. Cagliostro merecia antes um lugar na galeria dos precursores revolucionários que no pandemônio dos feiticeiros. Igualmente não vemos o que o magnetismo tenha a fazer nessa história do maravilhoso, sobretudo do ponto de vista em que o Sr. Louis Figuier se colocou. O magnetismo ressalta da Academia de Medicina e da Academia das Ciências, que o desdenharam muito; mas não pode interessar o supernaturalismo senão por ocasião de algumas de suas manifestações, aliás negligenciadas pelo Sr. Louis Figuier, a fim de reservar o espaço que consagrou ao relato da vida de Mesmer, das experiências do Marquês de Puységur e do incidente relativo ao famoso relatório do Sr. Husson. Há dois anos tratamos dessa importante questão e a ela não voltaremos, pois apenas nos repetiríamos. Também deixaremos de lado a das mesas girantes, que examinamos na mesma época. Contudo, muito haveria a dizer sobre a explicação natural e física que o Sr. Louis Figuier pretende dar dessa dança das mesas e das manifestações que se lhe seguem. Mas é preciso saber limitar-se. Deixemo-lo, pois, debater-se com a Revista Espiritualista e a Revista Espírita, duas revistas publicadas em Paris pelos adeptos da crença na manifestação dos Espíritos, que o acusam de ter escrito o seu requisitório sem haver previamente ouvido as testemunhas e consultado as peças do processo. Uma e outra pretendem que ele jamais assistiu a uma única sessão espiritualista e que, à sua chegada, teve o cuidado de declarar que sua opinião estava formada e nada o faria mudá-la.

“É verdade? Não sabemos. Tudo quanto podemos afirmar é que, depois de ter repelido, com justa razão, a solução do Sr. Babinet, pelos movimentos nascentes e inconscientes, acabou adotando-a por conta própria, tanto é ele inconsciente do que pensa e escreve. Eis a prova. Diz ele: “Nessas reuniões de pessoas fixamente ligadas durante vinte minutos ou meia hora, a formar a corrente, mãos abertas sobre a mesa, sem ter liberdade de, por um instante, distrair a atenção da operação em que tomam parte, o maior número não experimenta qualquer efeito particular. Mas é muito difícil que uma delas, uma só que se queira, por momentos não caia no estado hipnótico ou biológico. (O hipnotismo lhe dá resposta a tudo, como veremos mais tarde). Não é preciso que esse estado dure mais que um segundo para que se realize o fenômeno esperado. O membro da corrente, caído nesse meio-sono nervoso, não mais tendo consciência de seus atos, malgrado seu, imprime o movimento ao móvel.” Por que não começaria a troçar de si mesmo, desde que gostava de troçar do Sr. Babinet? Teria sido lógico, sobretudo depois de haver anunciado que vinha esclarecer o mistério, e do momento que não colocava em sua lanterna uma luzinha tão ridícula senão quanto a que antes havia aceso o sábio acadêmico. Mas a lógica e o Sr. Louis Figuier divorciaram-se nessa história do maravilhoso. Ah! Em vão os ecos pretenderam que eles vão falar, mas seus esforços só conseguem repetir o que ouvem.

“Quanto aos longos capítulos consagrados à varinha mágica e, em particular, a Jacques Aymar, inicialmente nos permitimos lhe observar que se equivoca se pensa que o problema foi estudado suficientemente pelo Sr. Chevreul. É uma ilusão que pode deixar, se bem lhe parecer, àquele sábio. Mas fora da Academia das Ciências não encontrará ninguém que admita que a teoria do pêndulo explorador responda a todas as suas objeções. A frase atribuída a Galileu “E contudo, ela gira!” não deixa de ter uma aplicação à varinha mágica. Ela girou e gira, a despeito dos céticos que negam o movimento, porque se recusam a ver. Os milhares de exemplos que podemos citar ─ e que cita o próprio Sr. Louis Figuier ─ atestam a realidade do fenômeno. Gira por um impulso diabólico ou espírita, como se diria hoje, ou sob a impressão que recebe de alguns eflúvios desconhecidos? De boa vontade repelimos qualquer influência sobrenatural, embora ela possa ser admitida em certos casos. O que não nos parece provada é a inexistência de fluidos desconhecidos. Entre outros, conta o fluido magnético com numerosos partidários, cujas afirmações merecem tanta autoridade quanto as negações de seus adversários. Seja como for, a varinha mágica realizou maravilhas que podem nada ter de sobrenatural, mas que a Ciência é incapaz de explicar, ela que, aliás, muito pouco explica de todas as que vemos produzir-se diariamente em redor de nós, na vida da menor folha de erva. A modéstia é uma virtude que lhe falta e que ele faria bem em adquirir.

“Entre outras maravilhas, as que realizava Jacques Aymar, do qual falamos tanto, mereciam ser relatadas minuciosamente. Um dia, entre outros, ele foi chamado a Lyon, no dia seguinte a um grande crime cometido naquela cidade. Armado de sua varinha explorou o porão que tinha sido o teatro do crime, declarando que os assassinos eram três; depois começou a seguir os seus traços, que o conduziram a um jardineiro, cuja casa estava situada à margem do Ródano e afirmou que ali haviam entrado e que tinham tomado uma garrafa de vinho. O jardineiro protestou, negando, mas seus filhos moços, interrogados, confessaram que três indivíduos tinham vindo, na ausência do pai, e lhes haviam vendido vinho.

Então Aymar segue a pista, sempre conduzido pela varinha. Descobre onde tinham embarcado, no Ródano; entra numa canoa; desce em todos os lugares onde eles desceram e vai ao campo de Sablon, entre Vienne e Saint Vallier e acha que ali demoraram alguns dias. Continua a sua perseguição e, de etapa em etapa, chega até Beaucaire, em plena feira; percorre as suas ruas cheias de gente e para diante da porta da prisão, onde entra e aponta um pequeno corcunda como um dos assassinos. Suas investigações lhe indicaram a seguir que os outros dois tinham seguido para os lados de Nimes, mas as autoridades policiais não quiseram prosseguir as buscas. Conduzido a Lyon, o corcunda confessou seu crime e foi supliciado na roda.

“Eis a proeza de Jacques Aymar, e proezas tão surpreendentes como esta são numerosas em sua vida. O Sr. Louis Figuier o admite em todas as suas circunstâncias. Aliás, ele não podia fazer de outro modo, desde que é atestado por centenas de testemunhas, de cuja veracidade não se pode duvidar “por três relatos e várias cartas concordantes, escritas pelas testemunhas e pelos magistrados, homens igualmente honrados e desinteressados e que ninguém, no público contemporâneo, suspeitou de uma combinação realmente impossível entre eles.” Mas como aqui não cabia uma explicação física, ele se viu obrigado a renunciar ao processo ordinário, e lançou-se num labirinto de suposições mais engenhosas que verossímeis. Ele transforma Jacques Aymar num agente de polícia, de uma perspicácia a deixar longe a do Sr. de Sartines, por mais célebre que ele seja. Junto a ele nossos chefes de polícia da “Sûreté”[3] não passariam de escolares. Ele supõe assim que esse manejador da varinha, durante três ou quatro horas passadas em Lyon, antes de começar suas experiências, teve tempo de tomar informações e descobrir o que até mesmo as autoridades judiciárias ignoravam. Foi à casa do jardineiro porque era de presumir que os assassinos tivessem embarcado no Ródano, a fim de se afastarem mais depressa; adivinhou que tinham bebido vinho, pois deviam ter sede; atracou na margem do rio em todos os lugares onde mais tarde se soube que eles realmente tinham atracado, porque esses lugares habituais de abordagem eram conhecidos deles; parou no campo de Sablon, pois era evidente que queriam ver o espetáculo da reunião de tropas; foi a Beaucaire, pois era certo que o desejo de dar um bom golpe ali os conduziria; parou, enfim, à porta da prisão porque era provável que um entre eles tivesse tido a pouca sorte de ser preso. “Eis por que vossa filha é muda!” diz Sganarelle; e o Sr. Louis Figuier não diz melhor, nem diferente. Sobretudo crê triunfar porque Jacques Aymar, tendo sido mais tarde chamado a Paris, pelos rumores de sua fama, aí viu sua perspicácia sofrer reais fracassos, ao lado de alguns triunfos também reais. Mas por esses eclipses que lhe valeram certo desfavor, o Sr. Louis Figuier, menos que qualquer outro, poderia censurá-lo; menos que qualquer outro, ele poderia disso se valer para declará-lo um impostor, ele que sabe, melhor do que ninguém; ele que reconhece, a propósito do magnetismo, que certas espécies de experiências são caprichosas e dão resultado num dia, mas falham no outro. A essa inconsequência, finalmente, ele junta outra, menos desculpável. Não contente de acusar Jacques Aymar de charlatanismo, pronuncia a mesma condenação contra quase todos os manejadores da varinha cujos gestos e feitos repete, e na discussão, entretanto, diz: “Entre os numerosos adeptos práticos, só um pequeno número era de má fé; mas não agiam sempre de má-fé; a maioria deles operava com inteira sinceridade. A varinha positivamente girava em suas mãos, independente de qualquer artifício, e o fenômeno, bem como fato, era mesmo real.” Bem, muito bem, nada melhor; aí está a verdade. Mas como e por que girava? Impossível fugir desta interrogação indiscreta. Ora, o Sr. Louis Figuier assim responde: “Esse movimento da varinha era operado em virtude de um ato de seu pensamento e sem que eles tivessem a menor consciência dessa ação secreta de sua vontade.” Sempre essa inconsciência mais maravilhosa que o maravilhoso que repelem. Acredite quem quiser.”

ESCANDE


[1] Escritório na Rua Sainte-Anne, 63. Edição de 22 fevereiro de 1861. Preço por exemplar, 1 franco.


[2] No original lê-se de omni re simili, visível erro tipográfico, pois a expressão significa: sobre todas as coisas que se pode saber. (N. do T.).


[3] Sûreté – Serviço de informação e fiscalização policial do Ministério do Interior.


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