Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1868

Allan Kardec

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Variedades

Estranha violação de sepultura (Estudo psicológico)


O Observateur, de Avesnes (20 de abril de 1867) relata o caso seguinte:

“Há três semanas um operário de Louvroil, chamado Magnan, de vinte e três anos, teve a infelicidade de perder a mulher, atingida por uma doença do peito. A mágoa profunda que ele por isto sentiu, em breve foi aumentada pela morte de seu filho, que não sobreviveu à mãe senão alguns dias. Magnan falava sem cessar de sua mulher, não podendo acreditar que ela o tivesse deixado para sempre e imaginando que não tardaria a voltar. Era em vão que os amigos buscavam oferecer-lhe algum consolo; ele os repelia a todos e se fechava em sua aflição.

“Quinta-feira última, após muitas dificuldades, seus camaradas de oficina decidiram acompanhar até a estrada de ferro um amigo comum, militar em férias que voltava ao regimento. Mas logo depois de chegarem à estação, Magnan esquivou-se e voltou sozinho à cidade, ainda mais preocupado do que de costume. Num cabaré tomou alguns copos de cerveja que acabaram de perturbá-lo, e foi nessas disposições que entrou em casa, pelas nove horas da noite. Achando-se só, o pensamento de que sua mulher não mais estava lá o superexcitou ainda mais, e ele experimentou um desejo invencível de vê-la. Então tomou uma velha cavadeira e uma pá ordinária, foi ao cemitério, e, a despeito da escuridão e da chuva horrível que caía no momento, logo começou a tirar a terra que cobria sua cara defunta.

“Só depois de várias horas de trabalho sobre-humano conseguiu retirar o caixão de sua cova. Só com as mãos, e quebrando as unhas, ele arrancou a tampa; depois, tomando nos braços o corpo de sua pobre companheira, levou-o para casa e o pôs na cama. Deveria ser, então, aproximadamente três horas da manhã. Depois de ter feito um bom fogo, descobriu o rosto da morta; então, quase alegre, correu à casa da vizinha que o tinha enterrado, para lhe dizer que sua mulher tinha voltado, como ele havia predito.

“Sem dar qualquer importância às palavras de Magnan, que, dizia ela, tinha visões, levantou-se e o acompanhou até a casa dele, a fim de acalmá-lo e fazê-lo deitar-se. Imagine-se a sua surpresa e o seu pavor, vendo o corpo exumado. O infeliz operário falava à morta como se ela pudesse escutá-lo e procurava com uma tenacidade tocante obter uma resposta, dando à sua voz uma doçura e toda a persuasão de que era capaz. Essa afeição além do túmulo oferecia um espetáculo pungente.

“Entretanto, a vizinha teve a presença de espírito de induzir o pobre alucinado a repor sua mulher no caixão, o que ele prometeu, vendo o silêncio obstinado daquela que julgava ter chamado à vida. Acreditando em tal promessa, ela voltou para casa, mais morta do que viva.

Mas Magnan não se deu por vencido e foi despertar dois vizinhos, que se levantaram, como a que a enterrara, para tentar tranquilizar o infortunado. Como ela, passado o primeiro momento de estupefação, eles o aconselharam a levar a morta para o cemitério, e dessa vez, sem hesitar, ele tomou a mulher nos braços e voltou a depositá-la na cova de onde a havia tirado, recolocou-a na fossa e a recobriu de terra.

“A mulher de Magnan estava enterrada há dezessete dias; não obstante, ainda se achava em perfeito estado de conservação, porque a expressão de seu rosto era exatamente a mesma que no momento em que foi enterrada.

“Quando interrogaram Magnan, no dia seguinte, ele pareceu não se lembrar do que havia feito nem do que se havia passado algumas horas antes. Apenas disse que acreditava ter visto sua mulher durante a noite.” (Siècle, 29 de abril de 1867).”


Instruções sobre o fato precedente

(Sociedade de Paris, 10 de maio de 1867 - Médium: Sr. Morin, em sonambulismo espontâneo)



Os fatos se mostram em toda parte, e tudo quanto se produz parece ter uma direção especial que leva aos estudos espirituais. Observai bem, e vereis a cada instante coisas que à primeira vista parecem anomalias na vida humana, e cuja causa inutilmente encontraríeis em qualquer lugar que não fosse na vida espiritual. Sem dúvida, para muita gente são apenas fatos curiosos, nos quais não pensam mais, desde que virada a página; mas outros pensam mais seriamente; procuram uma explicação e, à força de ver a vida espiritual erguer-se diante deles, serão obrigados a reconhecer que somente aí está a solução do que não podem compreender. Vós, que conheceis a vida espiritual, examinai bem os detalhes do fato que acaba de vos ser lido, e vede se ela não se mostra com evidência.

Não penseis que os estudos que fazeis sobre esses assuntos de atualidade e outros sejam perdidos para as massas, porque, até agora, eles vão quase exclusivamente aos espíritas, aos que já se acham convencidos. Não. Para começar, tende a certeza que os escritos espíritas vão além dos adeptos; há pessoas muito interessadas na questão para não se manterem ao corrente de tudo o que fazeis e da marcha da Doutrina. Sem que o pareça, a Sociedade, que é o centro onde se elaboram os trabalhos, é um ponto em mira, e as soluções sábias e raciocinadas que dela saem fazem refletir mais do que supondes. Mas dia virá em que esses mesmos escritos serão lidos, comentados, analisados publicamente; aí as pessoas colherão a mancheias os elementos sobre os quais devem assentar-se as novas ideias, porque aí encontrarão a verdade. Ainda uma vez, ficai convencidos que nada do que fazeis está perdido, mesmo para o presente, com mais forte razão para o futuro.

Tudo é assunto de instrução para o homem que reflete. No fato que vos ocupa, vedes um homem possuindo suas faculdades intelectuais, suas forças materiais, e que parece, no momento, completamente despojado das primeiras; ele pratica um ato que à primeira vista parece insensato. Ora! Aí está um grande ensinamento.

Isto aconteceu? perguntarão algumas pessoas. O homem estava em estado de sonambulismo natural, ou sonhou? O Espírito da mulher estava metido nisso? Tais são as perguntas que podem ser feitas a este respeito. Pois bem! O Espírito da senhora Magnan esteve muito envolvido nesse acontecimento, e muito mais do que podiam supor os próprios espíritas.

Se seguirdes o homem com atenção, desde o momento da morte de sua mulher, velo-eis mudar pouco a pouco; desde as primeiras horas da partida de sua mulher, vedes seu Espírito tomar uma direção que se acentua cada vez mais, para chegar ao ato de loucura da exumação do cadáver. Há, nesse ato, algo além do pesar, e, como ensina O Livro dos Espíritos e todas as comunicações, não é na vida presente, é no passado que se deve procurar a causa. Não estamos aqui na Terra senão para cumprir uma missão ou pagar uma dívida. No primeiro caso, realizais uma tarefa voluntária; no segundo, fazei a contrapartida dos sofrimentos que experimentais, e tereis a causa de vossos sofrimentos.

Quando a mulher morreu, lá ficou em Espírito, e como a união dos fluidos espirituais e do corpo era difícil de romper, em razão da inferioridade do Espírito, foi-lhe preciso um certo tempo para retomar sua liberdade de ação, um novo trabalho para a assimilação dos fluidos; depois, quando ela estava na medida, apoderou-se do corpo do homem e o possuiu. Eis aqui, pois, um verdadeiro caso de possessão.

O homem não é mais ele, e notai: ele não é mais ele mesmo senão quando vem a noite. Seria preciso entrar em longas explicações para vos fazer compreender a causa desta singularidade; mas, em duas palavras: a mistura de certos fluidos, como em Química a de certos gases, não pode suportar o brilho da luz. Eis por que certos fenômenos espontâneos ocorrem mais vezes à noite do que de dia. Ela possui esse homem; ela o induz a fazer o que ela quer; foi ela que o conduziu ao cemitério para obrigá-lo a fazer um trabalho sobre-humano e fazê-lo sofrer. E no dia seguinte, quando perguntam ao homem o que se passou, ele fica estupefato e só se lembra de haver sonhado com sua mulher. O sonho era a realidade; ela tinha prometido voltar e voltou; ela voltará e arrastá-lo-á.

Numa outra existência, foi cometido um crime; o que queria vingar-se deixou o primeiro encarnar-se e escolheu uma existência que, pondo-o em relação consigo, lhe permitia realizar sua vingança. Perguntareis por que essa permissão? Mas Deus nada concede que não seja justo e lógico. Um quer vingar-se; é preciso que tenha, como prova, ocasião superar seu desejo de vingança, e o outro deve sofrer a prova e pagar pelo que fez sofrer o primeiro. Aqui o caso é o mesmo; apenas, não estando terminados os fenômenos, não se estendem mais por muito tempo: ainda existirá outra coisa.

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