Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1858

Allan Kardec

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“Comunicam-nos o seguinte fato, que vem confirmar as observações feitas sobre a influência do medo.

“Ontem o Dr. F... voltava para casa depois de ter feito algumas visitas aos seus doentes. Numa dessas visitas haviam-lhe dado uma garrafa de excelente rum, importado diretamente da Jamaica. O médico esqueceu no carro a garrafa preciosa. Lembrando-se, um pouco mais tarde, foi procurá-la e disse ao chefe do estacionamento que havia deixado numa das carruagens uma garrafa de um veneno muito violento e o aconselhou a prevenir aos cocheiros que tivessem o maior cuidado em não fazer uso daquele líquido mortal.

“Quando o Dr. F... acabava de chegar de volta ao seu apartamento, vieram chamá-lo às pressas, pois três cocheiros do vizinho estacionamento sofriam dores horríveis nas entranhas. Foi com muita dificuldade que os convenceu de que tinham bebido excelente rum e que sua indelicadeza não poderia ter tido mais graves consequências que aquele castigo imediato aos culpados.”

1. ─ São Luís poderia dar-nos uma explicação fisiológica dessa transformação das propriedades de uma substância inofensiva? Sabemos que, pela ação magnética, pode ocorrer tal transformação, mas no caso vertente não houve emissão de fluido magnético: agiu apenas a imaginação e não a vontade.

─ Vosso raciocínio é muito justo relativamente à imaginação. Mas os Espíritos malévolos que induziram aqueles homens a cometer um ato indelicado, fazem passar no sangue, na matéria, um arrepio de medo que bem poderíeis chamar de arrepio magnético, que distende os nervos e produz um frio em certas regiões do corpo. Bem sabeis que todo frio na região abdominal pode produzir cólicas. É, pois, um meio de punição que diverte os Espíritos que provocaram a realização do furto e ao mesmo tempo que os faz rir à custa daqueles a quem fizeram pecar. Em todo caso, não ocorreria a morte. Não houve mais que uma simples lição para os culpados e divertimento para Espíritos levianos. Assim procedem, sempre que se lhes oferece uma oportunidade, que até procuram, para sua satisfação. Nós podemos evitar isso, eu lhes afirmo, elevando-nos a Deus por pensamentos menos materiais que os que ocupavam o espírito daqueles homens. Os Espíritos malévolos gostam de se divertir. Cuidado com eles! Aquele que julga dizer uma frase agradável às pessoas que o cercam e que diverte uma sociedade com piadas e atos, por vezes se engana, e mesmo muitas vezes, quando pensa que tudo isso vem de si próprio. Os Espíritos levianos que o cercam, com ele de tal modo se identificam, que pouco a pouco o enganam a respeito de seus pensamentos, enganando também aqueles que o ouvem. Nesse caso, pensais estar tratando com um homem de espírito, que no entanto não passa de um ignorante. Pensai bem, e compreendereis o que eu vos digo. Os Espíritos superiores não são, entretanto, inimigos da alegria. Por vezes gostam de rir para se vos tornarem agradáveis. Mas cada coisa tem o seu momento oportuno.

OBSERVAÇÃO: Dizendo que no caso relatado não havia emissão de fluido magnético, talvez não fôssemos muito exatos. Aqui aventuramos uma suposição. Como o dissemos, sabe-se que transformações das propriedades da matéria se podem operar sob a ação do fluido magnético dirigido pelo pensamento. Ora, não é possível admitir que, pelo pensamento do médico que queria fazer crer na existência de um tóxico e dar aos ladrões as angústias do envenenamento tivesse havido à distância uma espécie de magnetização do líquido que assim teria adquirido novas propriedades, cuja ação teria sido corroborada pelo estado moral dos indivíduos, a quem o medo tornara impressionáveis? Esta teoria não destruiria a de São Luís sobre a intervenção dos Espíritos levianos em semelhantes circunstâncias. Sabemos que os Espíritos agem fisicamente por meios físicos; podem, pois, a fim de realizar certos desígnios, servir-se daqueles que eles mesmos provocam e que nós lhes fornecemos inadvertidamente.

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